SNPTEE XXVI: Análise dos Aspectos do Controle de Conversores Empregados em Fontes Renováveis que Desafiam os Sistemas de Proteção das Redes Elétricas
Artigo Técnico
Autores: Daniel Nascimento Pereira [ESC Engenharia/Universidade de Cardiff - UK], Antônio Carlos Lins de Mattos Filho [ESC Engenharia], Silas Gonzaga Tenório [ESC Engenharia], Felipe Diógenes de Mendonça [ESC Engenharia], João Pedro Rego Carvalho [ESC Engenharia], Roberto Feliciano Dias Filho [ESC Engenharia], José Filho da Costa Castro [IATI], Antônio Samuel Neto [ONS]
1.0 INTRODUÇÃO
A despeito do apelo e benefício ambiental e alinhamento com as políticas de eficiência energética mundiais, a presença de geração de energia elétrica (EE) conectada à rede elétrica através de conversores baseados em eletrônica de potência, como as eólicas (EOL) e solares-fotovoltaicas (FV), traz complexidade aos sistemas tradicionais de proteção, automação e controle (PAC) dos componentes que compõem esses subsistemas de EE. Os desafios impostos aos sistemas PAC circunvizinhos ao ponto de acoplamento comum (PCC – Point of Common Coupling) decorrem, principalmente, (a) da baixa – ou falta – de inércia apresentada por essas fontes, (b) da alta intermitência da potência gerada e, principalmente, (c) das limitações impostas pelos sistemas de controle dos conversores ao despacho da potência gerada e sua contribuição aos curtos-circuitos.
Nos anos recentes, vários estudos têm demonstrado as mudanças fundamentais causadas pelos controles das IBRs à dinâmica da rede elétrica. Em Telukunta (2017), é mostrado como, a partir da topologia da rede, a contribuição de IBR à curtos-circuitos pode impactar nas proteções levando a uma atuação indevida – ou não atuação – do elemento de sobrecorrente. Já em Liang (2019), é feita uma avaliação das proteções de distância em linhas de transimissão que conectam centrais de geração fotovoltaica à rede, sugerindo-se sistemas de proteção de distância adaptativos. Outros estudos, como Sahebkar Farkhani (2019), buscam apresentar uma análise do comportamento de elementos de proteção direcionais diante da forte presença de IBRs.
O artigo presente, portanto, aborda as significantes mudanças causadas à dinâmica da rede elétrica diante de perturbações da perspectiva dos sistemas de proteção vizinhos a centrais de geração fotovoltaica (CGF). Finalmente, uma análise em regime permanente capaz de evidenciar o impacto das IBRs à proteção é proposto.
É importante destacar que este trabalho se apresenta como um material de referência orientativo aos profissionais envolvidos na graduação da proteção de redes elétricas que estejam situadas nas proximidades elétricas dos PCCs de IBRs. Dessa maneira, ciente das ferramentas computacionais disponibilizadas no contexto brasileiro, é proposta uma análise de caso real em regime permanente através do ANAFAS, que seja capaz de evidenciar particularidades de controles associados às IBRs que possam trazer complexidade à graduação das proteções – em particular, de sobrecorrente. O trabalho está organizado da seguinte maneira: a seção 2 apresenta as características dos controles LVRT, PLC, e PLL, capazes de distorcer o comportamento dinâmico da rede; a seção 3 descreve os impactos à proteção associados aos controles descritos na seção 2; a seção 4 apresenta o caso de estudo em que a proteção próxima ao PCC de um parque solar será avaliada; a seção 5 irá abordar os resultados obtidos a partir da análise do caso em ANAFAS; por fim, a seção 6 traz as conclusões deste trabalho.
2.0 DESCRIÇÃO DOS CONTROLES ASSOCIADOS ÀS IBR
A busca técnica de tornar os parques eólicos e fazendas solares fotovoltaicas tão despacháveis, estáveis, em termos eletromecânicos, e controláveis quanto as plantas de geração convencionais (hidrelétricas e termelétricas), baseadas nos grandes geradores síncronos, exigiu o desenvolvimento de novas estratégias (TEODORESCU; LISERRE, 2011, YANG, 2019), por exemplo, (a) o controle de suportabilidade a afundamentos momentâneos (LVRT). Outros sistemas de controle foram implementados com o objetivo de proteger a parte de potência da planta (conversores e barramento CC) ou mesmo otimizar o desempenho dos controles primários da planta, a saber: (b) o controle de limitação de potência (PLC – Power Limiting Control) e (c) os algoritmos de sincronização ou PLLs (Phase-Locked Loops).
2.1 Controle de Suportabilidade a Afundamentos Momentâneos de Tensão (LVRT)
Em situações de degradação momentânea da tensão por distúrbios como CCs nas vizinhanças dos PCCs é operacionalmente desejável e mandatório por parte das concessionárias e mesmo operadores de rede em países com grande penetração de FAs, que as IBRs suportem temporariamente sem se desconectarem devido à afundamentos de tensão, contribuindo, inclusive, com a injeção de reativos, para o restabelecimento do perfil de tensão. No Brasil, essa orientação é definida pelo Procedimento de Rede 2.10 do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), de acordo com a curva apresentada na Figura 1. Para além disso é exigido, ainda no procedimento de rede, que os algoritmos de LVRT possam garantir, como pode ser visto na Figura 2: a injeção de corrente reativa adicional – para afundamento de tensão –; ou absorção de corrente reativa adicional – para elevações de tensão.
2.2 Controle de Limitação de Potência (PLC – Power Limitting Control)
A limitação, referida no termo PLC, é uma consequência do emprego de saturadores em pontos específicos dos sistemas de controle dos conversores. Essa funcionalidade de controle é empregada em conjunto com o algoritmo de Seguimento do Ponto de Potência Máxima (MPPT – Maximum Power Point Tracking) para prevenir sobrecarga da rede, garantindo que o pico de potência injetado pela central de geração eólica (CGE) ou CGF esteja dentro da capacidade da rede nas vizinhanças do PCC, além de evitar que tais sobrecargas possam danificar os próprios conversores das IBRs. O PLC, entretanto, é responsável pelo comportamento característico das IBRs que, diante de defeitos próximos aos seus PCCs, contribuem para a falha como fontes constantes de corrente. A contribuição dessas fontes aos curtos-circuitos é, portanto, fundamentalmente definida pelos sistemas de controle, o que a difere consideravelmente do comportamento dinâmico de fontes baseadas em geradores síncronos.
2.3 Algoritmos de Sincronização (PLL – Phase-Locked-Loops)
Para garantir a operação satisfatória dos controles associados ao conversor, nas IBRs, sob as condições adversas que a rede elétrica está sujeita, devem ser incorporados, às malhas de controle, algoritmos de sincronização que permitam a estimação de grandezas da rede, livres de contaminação por harmônicos ou ruídos. Ou seja, devem ser estimadas grandezas de tensão e correntes de sequência fundamental – ou mesmo componentes harmônicas específicas para eventuais funções de restrição ou outras que os algoritmos de controle possam requerer. Isso se deve porque, particularmente em condição de falta ou manobras severas nas vizinhanças do ponto de instalação da IBR, é comum a ocorrência de situações de desequilíbrios, distorções harmônicas e variações na frequência fundamental da rede no PCC; ocorrências estas que poderiam, em caso de não serem empregados os PLLs, dificultar a estimação precisa de grandezas elétricas que necessitam ser direcionadas aos sistemas de controle, o que comprometeria a eficiência das técnicas de controle adotadas, afetando o desempenho do conversor. A Figura 3 apresenta um DSOGI-PLL, algoritmo empregado na estimação precisa, e sem introdução de delay, de grandezas fundamentais de fasores de sequência positiva.
3.0 IMPACTO DOS CONVERSORES DE IBR NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO E NA OPERAÇÃO
Os desafios dos sistemas de proteção situados nas vizinhanças de PCCs de IBRs estão relacionados com a própria dinâmica de seus conversores, que é ditada pelos seus sistemas/algoritmos de controle e, por isso, difere significativamente dos tradicionais geradores síncronos. Os grandes geradores empregados em gerações convencionais, por exemplo, têm dinâmica previsível sob regime permanente ou mesmo sob pequenas/médias perturbações. Sob grandes perturbações, por exemplo curtos-circuitos nas proximidades dos seus terminais, podem contribuir com corrente de defeito elevadas sob longos intervalos de tempo. Já os aerogeradores e sistemas FV, têm sua dinâmica, durante perturbações, definida majoritariamente pelos controles embarcados em seus microcontroladores/microprocessadores distinguindo-se expressivamente do comportamento de geradores síncronos. Dessa maneira, para as análises propostas neste trabalho, os impactos nas proteções serão avaliados através das seguintes características particulares das IBRs: (a) Imprevisibilidade do fator de potência durante perturbações; (b) dificuldade de sintetizar correntes de sequência negativa e zero; (c) inconsistência na magnitude da corrente injetada; e (d) contribuições por tempo indefinido durante faltas. Em particular, para os 2 últimos, uma avaliação simplificada – embora bastante acurada – em regime permanente será proposta, apesar de atuarem no comportamento transitório da rede.
3.1 Impacto nos Níveis de Curto-Circuito Vizinhos ao PCC da IBR
Como foi visto, devido ao PLC, as contribuições por parte das IBRs para faltas possuem (a) uma magnitude muito menor que a de um gerador síncrono – sendo comumente na ordem de 1,1 a 1,5 pu – e (b) persiste por um curto intervalo de tempo. Essas características podem comprometer a atuação do elemento de sobrecorrente (50/51 de acordo com a tabela ANSI) da proteção (a) causando um efeito de cegamento (blinding) (Figura 4, LT A-B) – em que a proteção não será capaz de identificar a falta com a sensibilidade apropriada, devido ao efeito causado pelo paralelismo entre a rede e a IBR, o qual altera o circuito visto pela proteção A-B –, podendo atuar atrasada ou não atuar, ou (b) um efeito de sympathetic tripping (Figura 4, LT B-C) – em que a proteção atuará precocemente, estando mais sensibilizada do que o esperado para a falta identificada, decorrente da contribuição imprevisível por parte da IBR. Para ambos os casos, a seletividade, rapidez e coordenação – aspectos fundamentais de um sistema de proteção resiliente – podem ser comprometidas.
Assim, a relação inversa da magnitude da corrente de contribuição de uma fonte com a sua distância ao ponto de falta – válida para a análise de curto-circuito com participação única de geradores síncronos – se torna inviável quando se trata de sistemas elétricos com penetração considerável de IBR. Isso ocorre, pois, por atingir seu nível de saturação facilmente, para qualquer curto-circuito que exija da IBR uma corrente elevada, sua contribuição será a mesma, tornando inválida a identificação do ponto de falta através, unicamente, da magnitude da corrente medida. Além disso, o fato do tempo de permanência da IBR ser determinado somente pelo seu controle LVRT torna difícil a coordenação entre os elementos de sobrecorrente, uma vez que, a depender dos níveis de afundamento/elevação de tensão medidos pelo conversor no momento da falta, a contribuição da IBR pode durar mais – ou menos – que o tempo suficiente para o acionamento das proteções e seus respectivos disjuntores, o que pode originar uma perda de seletividade por parte do sistema de proteção.
Na prática, a aplicação de proteções de sobrecorrente na vizinhança da IBR é geralmente desaconselhada devido à dinâmica dos conversores. Portanto, caso a graduação das proteções de sobrecorrente se faça necessária, uma análise mais detalhista da topologia da rede e dos elementos que a compõem é imperativa, em que sejam modelados os fenômenos mencionados através da ferramenta computacional em uso.
3.2 Impacto nas Proteções com Elementos Direcionais
Os conversores, como interface entre a IBR e a rede, tem como um de seus deveres a definir uma contribuição, adequada à rede, de potência (ativa e reativa) e corrente – determinadas previamente por normativos impostos por operadores de rede. O atendimento dessas demandas – através do PLL – torna-se particularmente desafiador diante de perturbações na rede. Essa limitação surge, pois, durante grandes perturbações – curtos-circuitos, por exemplo –, os próprios parâmetros de rede medidos pelo PLL tornam-se imprecisos e estimativas fasoriais são irrealizáveis. Sem a referência adequada por parte da rede, os conversores são incapazes de sintetizar as correntes desequilibradas capazes de atenuar os efeitos de desequilíbrio da rede. Na prática, a injeção de correntes de sequência negativa e zero se tornam bastante limitadas para conversores grid-following. A presença dessas correntes de sequência, no entanto, é imperativa na definição de direcionalidade por parte da proteção (HADDADI, 2021).
Alguns procedimentos de rede, como é o caso da Alemanha (VDN, 2007), já exigem a inserção de algoritmos de controle dos conversores capazes de sintetizar correntes de sequência negativa, com o intuito de emular um comportamento similar a um gerador síncrono convencional. Entende-se, no entanto, que ainda que existam procedimentos que buscam mitigar tais riscos – por serem ainda restritos –, cabe ao contexto em que o projeto em estudo se encontra avaliar a competência dos conversores de serem capazes de sintetizar correntes de sequência que possam garantir um comportamento suficientemente tradicional das IBR.
3.3 Impacto nas Zonas das Proteções de Distância
Por parte da proteção de distância (21, de acordo com a tabela ANSI) – que identifica a impedância do ponto medido ao ponto de falta a partir dos parâmetros de tensão e corrente medidos –, 2 fatores irão implicar em desafios para sua graduação: (a) o controle LVRT que, como visto, tem em seu código a injeção de correntes reativas – com o intuito de diminuir o desequilíbrio na rede – a depender do afundamento de tensão medido no seu PCC, o que irá dificultar a estimação fixa de uma impedância e sua respectiva zona de atuação para a proteção 21; e (b) a imprecisão do PLL em estimar corretamente os parâmetros da rede diante de desequilíbrios, o que também agregará mais imprevisibilidade a qualquer estimativa possível feita pelo relé a respeito da impedância até o ponto de falta. Dessa maneira – como é visto principalmente em alimentadores que ligam a IBR à rede – a impedância medida até um mesmo ponto de falta pode variar expressivamente a depender unicamente das estimativas – com um grau considerável de imprecisão – que os controles da IBR serão capazes de fazer durante uma falha na rede.
As propriedades das IBRs descritas acima poderão trazer à proteção de distância um sub- ou sobre-alcance a depender unicamente da característica da falta e do contexto da rede no momento da falta. Para ambos os casos, a atuação indevida por parte da proteção 21 corresponde a perda de seletividade e rapidez – fatores fundamentais para um sistema de proteção confiável.
4.0 CASO DE ESTUDO
Os desafios que a alta penetração de IBRs trazem à proteção, como pode ser visto, são amplos e atingem não somente as proteções citadas, além de não se limitarem às características apenas dos controles descritos. No entanto, ciente da abrangência desta problemática, o caso em estudo que será abordado busca trazer essa análise para o regime permanente. Para isso, optou-se por empregar o ANAFAS (versão 7.3) – software amplamente utilizado para estudos de proteção no contexto brasileiro –, com o objetivo de apresentar uma análise viável e prática ao engenheiro de proteção.
Para a validação da proposta, foi escolhida a análise de uma Central de Geração Fotovoltaica (CGF), conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN), de 84 MVA (Figura 5). Foi utilizado, portanto, o caso de referência ONS BR1912PB. A partir da modelagem, o estudo tem como objetivo avaliar os níveis de curto-circuito para contingências diversas no sistema, com o intuito de graduar adequadamente as proteções de sobrecorrente 50/51, garantindo seletividade e coordenação entre os relés.
Considerando que os fenômenos em análise ocorrem no regime transitório da rede, a análise foi feita em etapas: para a primeira etapa, foi definido, na modelagem das fontes, um limite mínimo de tensão Vmin definido no LVRT como 0,85 pu – que, como definido pelo procedimento de rede 2.10, deve garantir que a fonte permaneça conectada à rede por até 5 segundos –; para a segunda etapa, no entanto, optou-se por definir a tensão mínima como 0,00 pu, com o intuito de avaliar um caso mais crítico/conservador, em que a CGF possa contribuir para quaisquer faltas na sua vizinhança independentemente dos afundamentos de tensão vistos no seu PCC.
Sabe-se que, devido às características das IBRs, a graduação de proteções de sobrecorrente nos alimentadores que ligam as CGFs à rede (02P1, Figura 5) não é recomendável. Devido a isso, os 2 casos serão analisados para as proteções da Linha de Transmissão (LT) 02V3, e os Transformadores 69/230 kV (TR) 04T1 e 04T2.
As proteções de sobrecorrente dos elementos mencionados estão descritas nas Tabelas 1, 2 e 3. Note que os relés da LT 02V3 e do TR 04T1 são eletromecânicos, portanto, sua curva não é definida de acordo com a tabela IEC.
Para a análise do caso, curtos-circuitos trifásicos foram aplicados na barra 7260 (destacado em verde, Figura 6), representando uma falta a jusante da LT 02V3. Faltas nas barras internas à CGF e na barra conectada ao seu alimentador não foram avaliadas, pois, devido a grande proximidade com os conversores – e consequente afundamento de tensão tendendo a zero –, avaliações em regime permanente se tornam imprecisas e a graduação de proteções de sobrecorrente convencionais não é aplicável. Entretanto, faltas aplicadas em barras eletricamente distantes da CGF também se tornam um problema, pois, durante o processamento do curto, o software busca desconsiderar IBRs que estejam afastadas do evento, de modo a reduzir o esforço computacional da máquina. Dessa maneira, a escolha do ponto de falta se torna limitante, pois os fenômenos vistos através do método iterativo utilizado pelo software só serão observados em uma faixa muito específica de níveis de afundamento de tensão.
5.0 ANÁLISE DOS RESULTADOS
A validação da proteção foi dada em duas etapas: (a) na primeira, foi avaliado se a proteção da LT 02V3 estava atuando de maneira seletiva – ou seja, se o elemento adequado de sobrecorrente estava atuando –; (b) para a segunda etapa, foi avaliado se a coordenação entre as proteções da LT 02V3 e dos TRs 04T1 e 04T2 foi mantida, respeitando um intervalo de tempo mínimo de 400 ms entre as proteções – tempo que garante a coordenação da proteção diante da presença de relés eletromecânicos no sistema.
5.1 Análise de Seletividade da Proteção 50/51 da LT 02V3
Para o primeiro caso (Vmin = 0,85 pu), não foi registrado nenhuma contribuição por parte da CGF à falta. Isso ocorreu, pois, ao avaliar os níveis de tensão nos terminais dos geradores FV, foram obtidos valores não maiores que 0,507 pu – abaixo que o mínimo requerido para permanência da FV na rede. Identificou-se ainda que, para esse caso, de fato a proteção atua de maneira adequada, visto que o elemento 51 – ou seja, o elemento de sobrecorrente de tempo inverso – foi sensibilizado, atuando com tempo suficientemente grande para garantir a coordenação entre ele e o relé a jusante (Figura 7).
No entanto, ao analisar o Caso 2 (Vmin = 0,00 pu), não só foi constatada a contribuição por parte da CGF, como esperava-se, mas também foi identificado uma expressiva variação nos níveis de tensão medidos nos PCCs das FVs – estando, agora, com valores entre 0,845 e 0,847 pu (Figura 8). A partir dos dados obtidos no Caso 2, identificou-se que a seletividade antes vista foi perdida, uma vez que, com a contribuição por parte da CGF – que de fato acontece em campo, pois, para uma tensão no PCC de 0,847 pu, o procedimento de rede 2.10 sugere uma permanência da FV por quase 1 segundo –, o elemento 50 de sobrecorrente foi sensibilizado, o que, na prática, representa a atuação instantânea da proteção, e consequente perda de seletividade – uma vez que esta, como proteção remota, deveria atuar com atraso de pelo menos 400 ms.
5.2 Análise de Coordenação entre as Proteções da LT 02V3 e os Transformadores 04T1 e 04T2
Foi possível, dada a topologia do sistema em estudo, avaliar também a coordenação entre as proteções dos TRs 04T1/2 e a LT 02V3. Para essa segunda análise, foi necessário desconsiderar a proteção de sobrecorrente instantânea da LT 02V3, de modo a evidenciar a problemática.
Ao avaliar novamente o curto-circuito na barra 7260 para o Caso 2 (Figura 8) – que, como foi visto, na prática se mantém por até 1 segundo –, assume-se que há, de fato, coordenação entre as proteções, como pode ser visto na Tabela 4. Ou seja, as proteções dos transformadores estão atuando com pelo menos 400 ms a mais que a proteção a jusante – proteção da LT 02V3.
Entretanto, como foi visto, o algoritmo LVRT das FVs, para um afundamento de até 0,847 pu deve manter a CGF conectada à rede por não mais que 1 segundo. Na prática isso significa que após um tempo aproximado de 1 segundo – que é o tempo necessário para o tripping da proteção da LT 02V3 –, a CGF se desconecta e a topologia da falta volta ao Caso 1 (Figura 7). Com isso, a corrente vista pelo relé da LT 02V3 será reduzida de 5614,5 A para 5159,8 A, aumentando o tempo de atuação da proteção. De maneira contrária, por não haver mais paralelismo entre os transformadores e a CGF, a corrente vista pelos relés dos transformadores será aumentada, o que implica numa redução no tempo de tripping de suas proteções. Ao avaliar, agora, os novos tempos de atuação das proteções (Tabela 5), constata-se que não há mais coordenação, visto que a diferença de tempo superou o limite mínimo de 400 ms entre a linha e os transformadores. Na prática entende-se que, com esses tempos, o sinal de abertura dos disjuntores das proteções seria enviado, simultaneamente, ocasionando a abertura não só da LT 02V3, mas também dos 2 transformadores, o que representa a perda de seletividade – consequência direta da falta de coordenação entre as proteções do sistema.
Entende-se que a variação nos resultados obtidos para os 2 casos se deu principalmente, pois, de acordo com o método iterativo utilizado pela versão 7.3 do ANAFAS, para a execução de curtos-circuitos, é assumido que inicialmente as fontes baseadas em conversores (FV ou EOL) não contribuam – com o objetivo de garantir uma maior otimização do software. Dessa maneira, o decaimento de tensão, visto através da simulação, no Caso 2 nunca foi visto no Caso 1. Os autores, portanto, entendem que para quaisquer simulações que envolvam a utilização de blocos DEOL – responsável pela modelagem da IBR –, é imprescindível a consideração de um caso crítico como foi visto para o Caso 2.
6.0 CONCLUSÃO
O crescimento da presença de FAs no sistema elétrico – por se tratar de uma pauta essencial, considerando a urgência na busca de uma rede elétrica mais limpa – é inevitável. Entretanto, junto ao aumento da penetração dessas fontes – seja em nível de transmissão, ou em distribuição, através das gerações distribuídas –, são observadas mudanças consideráveis no comportamento dinâmico da rede – em especial, diante de perturbações severas. Para a proteção, como foi visto, esses impactos podem ser identificados em elementos variados do sistema, e são consequência, majoritariamente, das características dos conversores – e controles associados – das próprias fontes. As características das IBRs, que trazem essa complexidade adicional à proteção, podem ser compreendidas, durante uma falta, como: (a) sua dificuldade de sintetizar correntes de sequência negativa e zero; e (b) imprevisibilidade de fator de potência; (c) baixa injeção de corrente; (d) contribuição por tempo indefinido; (Figura 9).
Por essa razão, entende-se que, ao operar em redes modernas – em que gerações heterogêneas são vistas –, é dever do engenheiro de proteção a compreensão suficiente das IBRs. É necessário, também por parte do analista, a capacidade de modelar e antever os fenômenos decorrentes da IBR no software em uso. Em particular, ao considerar o contexto em que estudos de proteção são desenvolvidos no Brasil, a ferramenta disponibilizada pelo CEPEL, ANAFAS, é amplamente utilizada, devido a sua capacidade de modelar todo o SIN de maneira eficiente, sendo capaz de simular qualquer análise de falta com pouco esforço computacional. Entretanto, esse software apresenta seus resultados em regime permanente, o que torna proibitiva a modelagem de algumas das características dos controles associados a IBR. Esse trabalho, portanto, apresentou uma alternativa, através da separação por partes do comportamento da IBR durante uma falta, capaz de representar – de maneira suficientemente acurada – o controle LVRT, o que leva em consideração os itens (c) e (d) da Figura 9. É importante notar que, caso se faça necessária a modelagem de outros controles da IBR – a depender do discernimento do engenheiro diante do caso em estudo – torna-se necessário o uso de um software capaz de projetar os seus resultados em regime transitório.
7.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) CEPEL, ANAFAS – Análise de Faltas: Manual do Usuário, versão 7.2.0, Rio de Janeiro, 2017.
(2) HADDADI, Aboutaleb; ZHAO, Mingxuan; KOCAR, Ilhan; KARAAGAC, Ulas; CHAN, Ka Wing; FARANTATOS, Evangelos. Impact of Inverter-Based Resources on Negative Sequence Quantities-Based Protection Elements. IEEE Transactions on Power Delivery, 2021.
(3) LIANG, Yingyu; Xu, Guanjun; ZHA, Wenting; WANG, Cong. Adaptability Analysis of Fault Component Distance Protection on Transmission Lines Connected to Photovoltaic Power Stations. Energies, 2019.
(4) ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico. Requisitos técnicos mínimos para a conexão às instalações de transmissão, 2020. 32 p.
(5) TELUKUNTA, Vishnuvardhan; PRADHAN, Janmejaya; AGRAWAL, Anubha; SINGH, Manohar; SRIVANI, Sankighatta Garudachar. Protection challenges under bulk penetration of renewable energy resources in power systems: A review. CSEE Journal of Power and Energy Systems, 2017.
(6) VDN, TransmissionCode 2007 – Netz- und Systemregeln der deutschen Übertragungsnetzbetreiber, Version 1.1, Berlin, 2007.
(7) VUKOSAVIC, S. N., Grid-Side Converters Control and Design, 1st ed. Springer International Publishing, 2018.