Ensaios de Relés Digitais de Proteção Utilizando o Protocolo IEC 61850

Monografia apresentada ao curso de Engenharia Elétrica – modalidade Eletrotécnica da Universidade de Pernambuco, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Engenheiro Eletricista.

Autor: Luiz Henrique Eugênio Bezerra de Oliveira

Orientador: Roberto Feliciano Dias Filho, M. Sc.

Área de Concentração: Proteção de Sistemas Elétricos.

RESUMO

O presente trabalho aborda as características do protocolo IEC 61850 aplicada aos ensaios de relés digitais de proteção elétrica. Essa tecnologia possibilita precisão, agilidade e segurança aos ensaios por funcionar sob uma topologia de rede ethernet com alta velocidade de comunicação entre dispositivos e equipamentos de confiabilidade elevada. O IEC 61850 introduz como um de seus pilares a interoperabilidade de equipamentos, o que significa dizer que é possível que haja comunicação entre dispositivos de fabricantes distintos, o que anteriormente era, em muitos casos, impossível devido aos protocolos proprietários, com parâmetros e modos de trabalho particulares. Este trabalho propõe-se a demonstrar como esse recurso do IEC 61850 é útil nas atividades dos setores de comissionamento e manutenção de subestações de energia elétrica. Para tanto, é necessário conhecer a história e as características dos relés digitais de proteção, o protocolo em si, as diferentes topologias dos sistemas de automação e supervisão, as ferramentas e os instrumentos para os ensaios, bem como as práticas adotadas pelas empresas. Por último, um estudo de caso que demonstra os métodos de ensaio para diversas funções de proteção, aplicadas à uma linha de transmissão, percorrendo recursos disponibilizados pelos equipamentos, exemplificando a interação e as facilidades que o IEC 61850 possibilita.

PALAVRAS-CHAVE: Proteção, Ensaios, Relés, IEC 61850.

1 Introdução

1.1 Objetivo

O objetivo principal do trabalho é demonstrar os recursos para ensaios de relés digitais de proteção com o uso do IEC 61850.

Os objetivos secundários são:

  • Revisar os assuntos relativos à Proteção de componentes dos sistemas elétricos;
  • Citar as particularidades dos sistemas elétricos de potência com foco nos ensaios de relés de proteção e os desafios enfrentados pelos profissionais da área; e
  • Mostrar práticas de ensaios que utilizam o IEC 61850 e com isso, verificar a otimização de custos e as facilidades envolvidas.

1.1 Metodologia utilizada

Com a experiência prática adquirida devido à minha atividade profissional, foram estudados métodos e procedimentos que abordam os ensaios dos relés digitais de proteção.

Uma pesquisa sobre os detalhes do protocolo IEC 61850 foi realizada no intuito de permitir o entendimento dos benefícios que este introduziu aos sistemas de proteção, automação, controle e supervisão em subestações de energia elétrica em todo o mundo.

Outra fonte de informações se situa nos equipamentos que possibilitam os ensaios, responsáveis pela simulação do sistema de potência em condições de faltas por curto-circuitos ou em variações de ordem sistêmica, bem como nas condições de regime permanente.

1.2 Estrutura da monografia

Este trabalho está organizado em seis capítulos:

O capítulo 2 reúne a teoria sobre: Proteção de equipamentos elétricos, com foco nas funções de distância e sobrecorrente. Redes de computadores, com ênfase nas topologias. Relés digitais de proteção. O protocolo IEC 61850, os sistemas digitais de subestações e suas características.

O capítulo 3 apresenta os métodos de ensaios com relés digitais de proteção da forma tradicional e as atividades de comissionamento das subestações e novos equipamentos. Por último, são listadas as dificuldades encontradas nas instalações do SEP.

O capítulo 4 retrata o IEC 61850 funcionando como agente otimizador dos ensaios de relés digitais.

O capítulo 5 exemplifica os benefícios com um estudo de caso, realizado em um terminal de uma linha de transmissão da CHESF, com ensaios de relés multifuncionais P442 – Areva. São exploradas as funções de distância, sobrecorrente e direcionalidade, mostrando-se as particularidades para cada uma delas.

Por fim, no capítulo 6, as conclusões e as sugestões acerca de trabalhos futuros são apresentadas.

2 Referencial teórico

2.1 Proteção de sistemas de transmissão

Entende-se por Proteção de sistemas de transmissão o conjunto de equipamentos responsáveis por assegurar a continuidade do atendimento às cargas e por evitar que distúrbios nos sistemas venham a causar danos às instalações das subestações.

Esses distúrbios podem surgir na forma de curtos-circuitos, condições anormais de operação, como sobrecargas ou sobretensões originadas de rejeições de carga, por exemplo, ou ainda perda de sincronismo, no caso dos sistemas de geração.

Os sistemas elétricos estão sujeitos à falhas de diversas naturezas. Nos casos das linhas de transmissão, estes são os componentes mais susceptíveis de desarmes, por haver a possibilidade de danos por vandalismo, descargas atmosféricas, acidentes com veículos, entre outros. Nos demais equipamentos do SEP, como transformadores e geradores, por exemplo, os defeitos podem surgir por falhas na isolação elétrica, sobrecargas elevadas, animais em contato com as partes energizadas, etc. Os sistemas de proteção tem que atuar com segurança para todos esses casos.

Para um sistema de proteção são observados critérios como: operação em regime permanente e limitação dos prejuízos pela eliminação segura dos defeitos. Esse conjunto deverá ser atendido pelos relés de proteção, que possuem a capacidade de subsidiar os operadores e os mantenedores das instalações com os parâmetros necessários para as tomadas de decisões. Nos casos dos curtos-circuitos, os relés dispensam a intervenção dos operadores e isolam o defeito, através da atuação dos disjuntores associados, antes que este possa acarretar em um impacto maior para o sistema como um todo. Se o desarme ocorrer em uma LT e algumas condições forem atendidas, como tensão de barra e ausência de bloqueios por parte do MPCC, por exemplo, o relé tem ainda o poder de restabelecer a LT ao sistema, sem intervenção humana, através do recurso conhecido como religamento automático.

Os conjuntos de proteção são compostos pelos relés de funções principais e os dispositivos auxiliares, que servem para sinalização, expansão das capacidades dos relés, circuitos de bloqueio e intertravamentos, entre outras funções. Com o advento dos relés digitais e o protocolo IEC 61850, o número destes dispositivos auxiliares foi significativamente reduzido, o que promove economia aos projetos. Estas particularidades serão detalhadas nos capítulos 3 e 4.

Como características principais dos equipamentos de proteção, citam-se [3]:

Confiabilidade: define-se como a probabilidade de um componente, um equipamento ou um sistema satisfazer a função prevista, sob dadas circunstâncias;

Sensibilidade: Entende-se por sensibilidade a capacidade da proteção responder às anormalidades nas condições de operação, e aos curtos-circuitos para os quais foi projetada;

Seletividade: É a propriedade da proteção em reconhecer e selecionar entre aquelas condições para as quais uma imediata operação é requerida, e aquelas para as quais nenhuma operação ou um retardo de atuação é exigido;

Coordenação: Todos os equipamentos do sistema devem obedecer às sequências de abertura, para evitar manobras indevidas;

Velocidade: Uma de suas funções principais, pois deve atuar rapidamente a fim de evitar danos pelas intensidades dos curtos-circuitos e, além disso, não interferir na operação correta do restante do sistema em que o equipamento protegido se encontra. A velocidade, na ocorrência de um curto-circuito, visa a [3]:

  • Diminuir a extensão do dano ocorrido (proporcional a RI2t);
  • Auxiliar a manutenção da estabilidade das máquinas operando em paralelo e dos sistemas interligados;
  • Melhorar as condições para re-sincronização dos motores;
  • Assegurar a manutenção de condições normais de operação nas partes sadias do sistema;
  • Diminuir o tempo total de paralisação dos consumidores de energia;
  • Diminuir o tempo total de não liberação de potência, durante a verificação de dano, etc.

Para que a velocidade do relé seja aproveitada, este deve comandar disjuntores também rápidos, a ponto de juntos diminuírem o tempo de interrupção do sistema. Os disjuntores atuais operam com tempos bastante reduzidos, da ordem dos 30 milisegundos, o que permite ao relé rápidas decisões nos casos de religamentos automáticos, por exemplo. Com o aumento da velocidade do releamento, mais carga pode ser transportada sobre um sistema, do que resulta economia global aumentada, o que evita, às vezes, a necessidade de duplicar certas LTs [3].

Os relés de proteção necessitam dos sinais de tensão e corrente presentes no equipamento protegido. Para isso, eles são alimentados através dos TPs e dos TCs associados, que são os responsáveis por garantir ao relé a fidelidade dos valores para que este possa processá-los e decidir se há ou não necessidade de atuação. Os relés são ajustados conforme as relações de transformação e monitoram constantemente os sinais recebidos. Os relés digitais são capazes de identificar defeitos nestes instrumentos, como falta de tensão em apenas uma fase, por exemplo, fazer compensações angulares nos casos dos transformadores de potência e tratar outras variações com intuito de evitar decisões equivocadas na hora de sua operação como elemento de proteção.

Entre outros recursos, os relés digitais de proteção emitem dados sobre as ocorrências que minimizam o tempo de restabelecimento do equipamento protegido, quando possível, já que permite a localização do defeito, gera lista de eventos sequenciais e as oscilografias que permitirão aos operadores e mantenedores do sistema decidirem se há segurança no retorno do equipamento ao estado de operação normal. Ao longo de sua vida útil, o tempo que os equipamentos ficam indisponíveis, que na legislação atual brasileira gera multas de alto valor, fica bastante reduzido devido aos recursos de tecnologia aplicados aos relés de proteção.

2.1.1 Proteção de Sobrecorrente

É o tipo de proteção para sistemas elétricos mais utilizada por ser de filosofia extremamente simples e de baixo custo, tanto do equipamento quanto da implantação. Esta é uma função básica e deve ser o requisito mínimo para uma LT ou equipamento estarem protegidos. Os códigos ANSI para as funções de sobrecorrente são:

  • 50: Sobrecorrente Instantânea
  • 51: Sobrecorrente Temporizada
  • 67: Sobrecorrente Direcional
  • 87: Sobrecorrente Diferencial

Seu  princípio  de funcionamento  é atuar  quando um  valor pré-ajustado  de

corrente for alcançado, podendo ter atuação instantânea ou temporizada. Essas temporizações são de característica inversa, ou seja, quanto maior a corrente, menor o tempo de atuação do relé.

"Entende-se por relé de proteção de sobrecorrente aquele que responde à corrente que flui no elemento do sistema que se quer proteger quando o módulo dessa corrente supera o valor previamente ajustado [2]."

São basicamente três tipos de relés de sobrecorrente: direcionais, não-direcionais e diferenciais. O primeiro verifica qual o sentido da corrente do defeito, em relação ao local, eletricamente falando, de instalação do relé. A polaridade do TC é a referência que o relé utiliza para determinar se o defeito está a frente ou na direção contrária de sua zona de proteção. Este conceito de direção de defeito é importante, pois determinará a atuação ou não do relé. Para o segundo basta apenas que o valor de pickup seja alcançado. Em ambos os casos o relé operará de acordo com a curva especificada ou instantaneamente. Já com o terceiro, ele terá duas bobinas de corrente e sua atuação dependerá da diferença entre elas, consideradas as suas parametrizações.

As funções de sobrecorrente geralmente são funções de retaguarda para a proteção de distância nos casos onde são aplicados em linhas de transmissão. Por possuírem mais recursos de detecção do tipo de falta, os relés de distância atuam mais rápido e com maior precisão. Durante o defeito, todas as funções são sensibilizadas e todos os temporizadores partem juntos, no entanto, os de sobrecorrente só permitirão a atuação por esta função se houver alguma falha com os relés de distância.

Os relés de sobrecorrente usados no sistema de potência são comumente ajustados em suas funções instantânea e temporizada, de fase e de neutro. A função Instantânea pode ser dispensada quando não houver condições de coordenação com os demais disjuntores, já que não pode operar para defeitos fora da LT. Isso acontece geralmente quando a potência de curto-circuito não varia muito entre os barramentos que a LT interliga, que é o caso das LTs curtas. A unidade temporizada conta com os diversos tipos de curvas, que promovem diferentes respostas nos tempos de atuação dos relés. Essas curvas são distintas pelo tempo de operação em função da grandeza da corrente e pela declividade.

Deste modo, como os relés são construídos de acordo com as curvas, tem-se que [2]:

  • Relés de tempo curto operam rapidamente, impedindo danos nos equipamentos;
  • Relés de tempo longo não operam no início de intensa sobrecarga ou moderada sobrecorrente de maior duração;
  • Relés de tempo moderadamente inverso operam em sobrecorrentes de valores elevados num tempo mais constante;
  • Relés de tempo inverso e muito inverso operam, respectivamente, com maior rapidez para valores maiores de corrente de defeito.

Os tipos de curvas são [2]:

  • Inversa: São utilizados geralmente em sistemas elétricos onde o valor da corrente de curto-circuito circulando no relé depende muito da capacidade do sistema de geração;
  • Muito Inversa: São empregados normalmente em sistemas elétricos em que o valor da corrente de curto-circuito circulando no relé depende da localização do ponto onde ocorreu o defeito em relação ao relé e varia muito pouco em relação à capacidade do sistema de geração;
  • Extremamente Inversa: São aplicados na proteção de alimentadores de distribuição primária onde são utilizados elos fusíveis e religadores de distribuição, devido à similaridade das curvas temporizadoras;
  • Inversa Longa: Se caracterizam por apresentar uma família de curvas que permite longa temporização, eliminando a atuação do disjuntor em sobrecargas elevadas, como na partida de motores de indução, para os quais são apropriadamente utilizados como elementos de proteção; ou ainda uma sobrecarga moderada, mas de tempo elevado.

Estas estão representadas nas figuras 1 e 2, através das normas IEC e ANSI [1].

Figura  1 - IEC 60255 IDMT Relay  Characteristics.Fonte: [1].
Figura 2 - ANSI IDMT RelayCharacteristics. Fonte: [1].

(Standard Inverse) – Inversa padrão

(Very Inverse) – Muito Inversa

(Extremely Inverse) – Extremamente Inversa

(Moderately Inverse) – Moderadamente Inversa

(CO2 Short Time Inverse) – Tempo curto inverso do relé CO2

(CO8 Inverse) – Curva Inversa do relé CO8

(Relay Characteristics) – Curvas Características do Relé

2.1.2 - Proteção de Distância

É uma das proteções mais utilizadas nas linhas de transmissão por serem mais eficazes que os relés de sobrecorrente, já que são alimentados pelas tensões e correntes do circuito protegido, permitindo atuar com base na impedância do ponto do defeito, cujo valor permite que se conheça a distância da falta até o ponto onde o relé está instalado. O código ANSI para a função de distância é 21.

"O relé age sob efeito da impedância da linha de transmissão que é proporcional à distância, e por isso esses relés são denominados relés de distância, que é um nome genérico dado aos aparelhos que de um modo ou de outro utilizam este princípio para proteção do sistema [2]."

Para tanto, o comprimento físico de uma linha de transmissão é dividida em zonas, o que determina quais são as condições de operação, se os defeitos estão dentro da LT ou não e suas coordenações com os demais relés do sistema. Normalmente são atribuídas de três a quatro zonas com direcionalidade frontal e uma zona com direção reversa. Para cada uma dessas zonas são parametrizados os alcances e os tempos de atuação. A zona 1 compreende de 80 a 90% do comprimento da LT. A zona 2 alcança até 120% da LT. A zona 3 já avança até 150% e a zona 4, que normalmente é sensível para as faltas no sentido contrário, é ajustada para proteger a barra da subestação onde o relé está instalado.

As atuações dos relés de distância estão associadas às características do sistema onde ele irá operar. Por exemplo, linhas de transmissão curtas possuem particularidades distintas de uma linha de transmissão longa nos termos de seus parâmetros. Para superar estas diferenças, foram criados quatro tipos de relés de distância, que se aplicam melhor a cada tipo de LT, e estão representados nas figuras 3, 4, 5, 6, 7 e 8. São eles [2]:

Figura 3 - Relé de Distância tipo Impedância
Figura 4 - Relé de Distância tipo Reatância
Figura 5 - Relé de Distância tipo Admitância (MHO)
Figura 6 - Relé de Distância tipo Quadrilateral

• Relé de Impedância: Adequado para LTs consideradas médias em relação ao comprimento/nível de tensão;

• Relé de Reatância: Indicado para LTs consideradas curtas em relação ao comprimento/nível de tensão;

• Relé de Admitância: Melhor opção para LTs consideradas longas em relação ao comprimento/nível de tensão;

• Relé Quadrilateral: Pode ser aplicado em mais de uma opção, pois se adequa bem às questões relativas à resistência de arco, além de manter a característica de atuação do relé de reatância.

Figura 7 - Zonas de atuação - Relé de Distância tipo Quadrilateral
Figura 8 - Zonas de atuação - Relé de Distância tipo MHO

Como o princípio de operação do relé é impedância, ele pode operar para qualquer sentido de corrente, fato este não desejável. Logo, todo relé de distância deve possuir uma unidade direcional, que delimita a área de atuação para defeitos na direção correta. Sendo assim, a segurança na operação do relé aumenta por permitir que o relé só opere para defeitos fora da linha nos casos onde houve falha das proteções adjacentes.

Diante de um defeito, um relé de distância atuará da seguinte forma [2]:

  • Início da contagem do tempo de acordo com o esquema de proteção utilizado;
  • A unidade de seleção aciona as unidades direcionais e de medida;
  • A unidade direcional recebe da unidade de seleção os valores da corrente de defeito e da tensão de polarização; a partir dessas informações a unidade direcional libera ou não o relé para operação;
  • A unidade de medida recebe da unidade de seleção os valores da tensão e da corrente do defeito.

Existem alguns recursos conhecidos como esquemas lógicos de proteção que promovem alguns auxílios em relação à extinção das faltas pelos relés de distância. Eles permitem acelerar os tempos de atuação quando o defeito estiver fora do alcance da primeira zona. As informações entre os terminais de uma LT trafegam através de telecomunicação dedicada, onde os sinais de lógica e disparo circulam. Esse sistema é também conhecido como teleproteção e seu código ANSI é o 85.

Esses esquemas são [2]:

Atuação por Distância Escalonada: Funciona através de temporizadores ajustáveis às zonas de proteção, responsáveis pelos sinais de atuação do relé;

Comparação de Fase: Atua comparando o ângulo de fase entre as correntes dos terminais de uma LT;

Transferência de atuação direta com subalcance (DUTT): Os disjuntores dos terminais são desligados de modo direto pelos sinais recebidos da teleproteção;

Transferência de atuação permissiva com sobrealcance (POTT): A abertura de um disjuntor local depende da permissão do outro terminal;

Comparação direcional com bloqueio: Permite o envio da informação de bloqueio para o terminal remoto quando o defeito está "atrás" do relé que foi sensibilizado;

Comparação direcional com desbloqueio: Atuação parecida com a anterior, no entanto envia sinal de desbloqueio, ou seja, permissão para abertura do disjuntor do terminal remoto.

Os esquemas lógicos só podem ser empregados individualmente, com a exceção do esquema por bloqueio.

2.2 Redes de computadores

Os relés de proteção e os equipamentos associados que funcionam através do protocolo IEC 61850 compartilham de boa parte do recursos das redes de computadores. A capacidade de troca de informações em alta velocidade é uma característica determinante e necessária para o funcionamento adequado dos dispositivos.

As redes de computadores são classificadas de acordo com a extensão de abrangência. A especificação destas classificações é dada por [4]:

  • LAN (Local Area Network) ou Rede Local Industrial : interconexão de computadores localizados em uma mesma sala ou em um mesmo prédio. Extensão típica: até aproximadamente 200 m;
  • CAN (Campus Area Network) ou Rede de Área de Campus: interconexão de computadores situados em prédios diferentes em um mesmo campus ou unidade fabril. Extensão típica: até aproximadamente 5 km;
  • MAN (Metropolitan Area Network) ou Rede de Área Metropolitana: interconexão de computadores em locais diferentes da mesma cidade. Pode usar rede telefônica pública ou linha dedicada. Extensão típica: até aproximadamente 50 km;
  • WAN (Wide Area Network) ou Rede de Longa Distância: interconexão de computadores localizados em diferentes prédios em cidades distantes em qualquer ponto do mundo. Usa rede telefônica, antenas parabólicas, satélites, etc. Extensão típica: maior que 50 km.

Nos sistemas de subestações, a presença das redes do tipo LAN é a predominante, já que compreende apenas as instalações locais. Essas redes são compostas dos switches e do cabeamento estruturado, que pode ser através de fibras óticas ou de cabos elétricos UTP/STP. As fibras óticas vem sendo adotadas com mais frequência por conta das vantagens de imunidade à exposição aos campos eletromagnéticos e maior alcance sem perdas de pacotes. Outra característica das redes LAN diz respeito às velocidades de comunicação, que são padronizadas em 10, 100 e 1000Mbps, sendo esta última conhecida como Gigabit Ethernet, a mais adotada nos sistemas de automação de subestação (SAS). No entanto, podem existir diversos métodos de conexão dos dispositivos, que influenciam diretamente no funcionamento da rede. A seção 2.2.1 exemplifica estes métodos.

2.2.1 Topologias

Em termos de redes LAN, existe algo em torno de sete topologias, conhecidas como anel, barramento, estrela, estrela estendida, malha, ponto-a-ponto e árvore. A topologia mais utilizada em sistemas digitais de subestações é a Estrela Estendida, por conta do uso dos switches interligados, que funcionam aprendendo o tráfego dos pacotes, otimizando o fluxo das informações na rede.

O switch possui papel importante na topologia em estrela por ser responsável por interconectar todos os dispositivos e distribuir o tráfego adequadamente, evitando, por exemplo, que uma estação receba dados destinados à outra. Estes são interligados a outros switches quando a rede demanda um grande número de equipamentos conectados, o que ocorre em boa parte dos casos onde há sistemas digitais de subestações.

Uma vantagem desta topologia é que as comunicações da rede não são interrompidas caso algum equipamento venha a falhar. Em algumas instalações podem existir centenas de equipamentos conectados e esta flexibilidade é imprescindível para o funcionamento seguro da rede.

A figura 9 representa um esquema de uma rede em topologia estrela estendida. Percebe-se que os computadores são acessíveis por mais d um caminho e desta forma a rede se torna mais robusta, evitando interrupções.

Figura 9 - Topologia de Rede Estrela Estendida

2.3 Relés digitais de proteção

2.3.1 História

Com o surgimento dos primeiros microprocessadores, por volta dos anos 60, os fabricantes de relés de proteção, que até então só produziam relés de tecnologias eletromecânica e eletrônica, começaram a projetar relés que pudessem se beneficiar das vantagens destes dispositivos, como confiabilidade e velocidade de processamento.

"O alto custo e a baixa velocidade dos computadores daquela época foram as dificuldades iniciais encontradas para o desenvolvimento desta área. Os primeiros estudos começaram com algoritmos de proteção de linhas de transmissão. Na década de 1970 ocorreu um significativo avanço no hardware computacional. Uma dramática redução de preço, tamanho e consumo de potência propiciou a implementação de relés digitais de alta velocidade. A habilidade de um relé digital de prover um desempenho pelo menos tão bom quanto o convencional foi estabelecida no início da década de 1970 [6]".

Os primeiros relés de proteção são de tecnologia eletromecânica, ou seja, possuem partes móveis, como contatos, discos, mancais, que operam dependendo das condições elétricas a eles impostas. São altamente confiáveis e tem vida útil bastante elevada, se realizadas as manutenções periódicas corretamente. Estão presentes em muitas instalações em todo o mundo até os dias de hoje devido aos fatores já citados e mais:

  • Tolerância a temperaturas elevadas: Este é um fator importante visto que nem sempre as instalações fornecem condições ambientais adequadas;
  • Sensibilidade a surtos reduzida: As interferências devido a surtos eletromagnéticos não provocam danos aos relés eletromecânicos.

Já a segunda geração de relés de proteção se baseia na eletrônica e, diferentemente dos relés eletromecânicos, não possuem partes móveis, o que tornaram estes relés conhecidos como relés estáticos. Seus diferenciais eram:

  • Baixo custo de instalação, por necessitar de menos componentes auxiliares;
  • Maior velocidade de operação, visto que não há partes móveis;
  • Otimização de espaço nas instalações, por ser mais leve e compacto.

Os relés digitais surgem então como a terceira geração dos relés de proteção, superando algumas das dificuldades encontradas ao longo dos anos, e transformando o modo de se proteger os equipamentos dos sistemas elétricos de potência.

2.3.2 Características

Os relés digitais assemelham-se aos computadores pelo ponto de vista do processamento das informações, visto que possuem microprocessadores, memórias e a capacidade de executar programas. Também são compostos por componentes eletrônicos e contam com os recursos de comunicação entre dispositivos, podendo ser utilizado em rede ou isolados.

"Os relés digitais são totalmente numéricos, significando que estes amostram os sinais de tensão e corrente e convertem as amostras para valores binários várias vezes em um ciclo. Um microprocessador converte as amostras para medidas úteis para o relé. Estas medidas, combinadas com sinais de entrada e valores de limitantes, geram sinais de saída, sinais de controle e informações de operação [6]".

A figura 10 representa um diagrama com os principais blocos de funções de um relé digital [11].

Figura 10 - Principais subsistemas de um relé digital

Este tipo de relé supera as demais tecnologias pelo fato de ter o poder de processar mais de uma função de proteção ao mesmo tempo, bem como realizar o registro das faltas e dos eventos, o que subsidia os profissionais na busca pelas causas de determinadas ocorrências. Com os relés das gerações anteriores só é possível contar com uma função de proteção por vez. Exemplos: Um relé de distância só atua para defeitos calculados por impedância; Já um relé de sobrecorrente apenas para faltas que envolvam correntes anormais. Deste modo, é necessário um conjunto de relés e ligações complexas para que um determinado equipamento fique devidamente protegido. A este conjunto de relés se dá o nome de Cadeia de Proteção. Como os relés digitais de proteção englobam muitas destas funções, em alguns casos, também são chamados de relés multifunção e contam com as vantagens de ocuparem menos espaço, possuírem instalações mais simples e velocidade de processamento muito superior.

Entre seus principais recursos, tem-se:

Medição: Possibilidade de utilizá-lo como medidor, visto que este pode exportar os dados para os sistemas supervisórios e para os demais equipamentos da subestação. Os sinais de tensão e corrente são tratados e com isso são disponibilizadas as potências, frequência e o fator de potência;

Proteção: Dependendo do tipo de relé digital são encontradas diversas funções de proteção em um mesmo dispositivo. Diferencial, distância, sobrecorrente, sobretensão, subtensão, oscilação de potência, são apenas algumas delas. Podem ser habilitadas para trabalharem em paralelo, fornecendo ao equipamento protegido total segurança;

Localização de faltas: Através de algoritmos específicos, os relés calculam os pontos de falta e entregam com precisão elevada os resultados, o que facilita as equipes de manutenção no restabelecimento do sistema;

Auto-monitoramento: Os relés digitais possuem recursos de auto-diagnóstico para identificar problemas de hardware1, erros de firmware2, ou ainda algum outro impedimento de seu pleno funcionamento;

Sequencial de Eventos: Este tipo de relé possui uma característica nativa que é a de registrar tudo que ocorre durante seu funcionamento normal e durante as faltas. Os dados são então organizados de forma sequencial, o que dá subsídios para o analista descobrir o que realmente aconteceu, qual tipo de defeito o relé processou e se ocorreu tudo conforme o esperado. Existe então um banco de dados interno que armazena todas as informações para consultas a qualquer tempo;

Oscilografias: Recurso também importante aos analistas de faltas, já que tira uma "fotografia" do momento de atuação da proteção, com as grandezas elétricas e as atuações do relé, fundamentando o esclarecimento das ocorrências e, além disso, permitindo o estudo das faltas para melhorias nos equipamentos.

Comparando-se com as tecnologias anteriores dos relés de proteção, os digitais destacam-se por:

Substituição das Cadeias de Proteção por apenas um relé: Ocupa menos espaço físico e aumenta as possibilidades de utilização;

Velocidade de atuação: Os microprocessadores conseguem distinguir faltas com poucos ciclos, garantindo precisão e seletividade;

Flexibilidade de ajustes: Podem ser ativadas diversas funções simultaneamente, com os mais diversos ajustes para cada uma delas, ou ainda para arranjos específicos das subestações de forma fácil e rápida;

Coordenação das atuações: Como há a possibilidade de comunicação entre relés, há também a garantia de que estes atuem de forma coordenada, eliminando os defeitos de forma segura para o sistema;

Custos reduzidos: Necessitam de pouca manutenção e podem ser utilizados TCs de menores correntes secundárias(1A), mais baratos em relação aos TCs tradicionais(5A);

Comunicação direta com sistemas supervisórios: Alguns dos relés digitais são capazes de exportar dados que podem ser lidos diretamente pelos mais diversos sistemas de supervisão, bem como receber informações de operação em tempo real, como comandos, mudanças de grupos de ajustes, entre outros recursos.

No entanto, também existem algumas desvantagens na utilização das topologias de relés digitais. Tem-se:

Ambientes devem possuir requisitos de temperatura adequada: Os relés digitais, assim como todos os dispositivos eletrônicos, devem funcionar em ambientes com temperaturas adequadas, a fim de evitar o desgaste prematuro. Os fabricantes garantem condições mais severas neste quesito, mas as empresas praticam o funcionamento em salas refrigeradas e com abrigo de luz;

Uso de energia para as fontes auxiliares e refrigeração: Os relés digitais necessitam de alimentação auxiliar para funcionar, bem como os sistemas de resfriamento e os equipamentos de comunicação;

Durabilidade reduzida: Em relação aos relés eletromecânicos, os relés digitais possuem vida útil reduzida, o que necessitará a substituição dos mesmos em tempos inferiores aos atingidos pelos seus antecessores.

2.4 Protocolo IEC 61850

IEC 61850 é a norma internacional para sistemas de automação subestação (SAS). Ele define a comunicação entre dispositivos da subestação e os respectivos requisitos de sistema. Suporta todas as funções de automação de subestações e de engenharia. Diferente dos padrões anteriores, a abordagem técnica IEC 61850 torná-a flexível e “à prova de futuro” [5]. Nas seções 2.4.1 e 2.4.2 serão descritas as principais características e um resumo sobre os objetivos de cada capítulo da norma.

2.4.1 Características da Norma

O projeto Utility Communications Architecture (UCA) ou Arquitetura de Comunicações de Utilidade, do Instituto de Pesquisas de Energia Elétrica (EPRI) nos Estados Unidos, foi iniciado nos anos 90 com o intuito de produzir uma estrutura de comunicação em tempo real que servisse como um padrão para todas as empresas de energia elétrica. Foram criados três grupos de trabalho pela então International Electrotechnical Commission (IEC) ou Comissão Internacional de Eletrotécnica. Dos esforços desses grupos, resulta a norma IEC 61850 com o título "Redes de Comunicação e Sistemas em Subestações" [7].

A IEC 61850 passa então a ser o padrão internacional para os sistemas de automação de subestações, o que faz com que os fabricantes adaptem todos os seus equipamentos para as funcionalidades implementadas pela norma. Dedicada a redes de comunicação em subestações de energia elétrica, permite que haja o desenvolvimento de aplicações onde os dados possam ser aquisitados diretamente dos relés e demais dispositivos, como medições, estados, entre outros, tudo isto na velocidade das redes ethernet atuais, que podem chegar aos 1GB/s [9].

Um dos principais ganhos é a facilidade de integração entre os dispositivos da subestação. Todos os dados ficam facilmente disponíveis na rede de processos, permitindo que outros dispositivos utilizem na medida que precisarem. Outros fatores positivos são a redução de custos e a interoperabilidade* dos IEDs. Reduz custos por eliminar a necessidade dos muitos relés auxiliares de controle e proteção, bem como os cabeamentos entre equipamentos de vãos distintos, já que as informações são acessíveis pela rede de processos. Já com o segundo fator, o IEC 61850 possibilita que equipamentos de fabricantes distintos possam "conversar", recurso antes inédito nos sistemas de proteção e controle.

*(A interoperabilidade definida pela norma [5] consiste na habilidade de dois ou mais dispositivos eletrônicos inteligentes de um mesmo fornecedor, ou de diferentes fornecedores, trocarem informações e operarem corretamente de forma conjunta.)

Como todo protocolo, há uma definição quanto ao modelo de dados que será utilizado, o que representa as funções e os atributos dos equipamentos físicos de uma subestação. São introduzidos dois conceitos, descritos a seguir:

Logical Node (LN): Conjunto de dados que são trocados entre funções e sub-funções, disponíveis nos IEDs;

Logical Device (LD): Conjunto de Logical Nodes, que forma o conteúdo de funções dos relés. É residente no dispositivo físico.

Existem em torno de noventa nós lógicos no protocolo IEC 61850. São baseados na funcionalidade e seus atributos. Sua nomenclatura é composta de um mnemônico de quatro letras, que listam todas as funções no contexto da automação de subestações. CSWI, XCBR, PTOC e PDIS são apenas exemplos de como funções são representadas. Para este caso, temos os mnemônicos de Chave Seccionadora, Disjuntor, Proteção de Sobrecorrente e Proteção de Distância. Cada um deles foi desenvolvido para conter os dados e atributos associados, como por exemplo a posição de um disjuntor ou a atuação de uma proteção.

A IEC 61850 dividiu os nós lógicos em treze grupos, agrupando funções semelhantes, como automação, controle, proteção, medição, etc. A tabela 1 representa estes grupos [7].

Tabela 1 - Grupos de Nós Lógicos

Os nós lógicos também são divididos em classes, como mostra a tabela 2 [7].

Tabela 2 - Classe de Dados do IEC 61850

A estrutura de dados utilizada no protocolo IEC 61850 está representada na figura 11:

Figura 11 - Estrutura de Dados do Protocolo IEC 61850

No capítulo seis da norma encontra-se definida a linguagem de configuração de subestações (Substation Configuration Language - SCL), baseada em XML e que tem como objetivo padronizar os atributos de configuração dos IEDs [7]. É composta por arquivos que carregam todos os dados da subestação, como funções dos IEDs, serviços de comunicação, equipamentos de manobras, etc. Esses arquivos são [9]:

  • SSD (System Specification Description) - Descrição XML dos Dados do Sistema;
  • SCD (Substation Configuration Description) - Descrição XML de uma Subestação;
  • ICD (IED Capability Description) - Descrição XML dos itens aplicados em um IED;
  • CID (Configured IED Description) - Descrição XML da Configuração de um IED específico.

Como a norma funciona sob a topologia de rede ethernet, as camadas do modelo OSI são consideradas e os dados tratados num tipo de pilha (transporte, rede, enlace e um serviço de mensagens). Como há processamento em cada camada, há um atraso previsto nas mensagens cliente-servidor, que não apresentam restrição por questões de tempo. Mas existem mensagens que não podem ter este atraso e no protocolo IEC 61850 são conhecidas como GOOSE, que podem ser utilizadas para informações de bloqueios, disparos, intertravamentos, entre outras informações. Neste caso, as mensagens GOOSE possuem prioridade mais alta do que as mensagens cliente-servidor.

2.4.2 Capítulos da Norma

A norma está dividida em nove capítulos, cujos tópicos estão listados a seguir [5]:

Technical Report - Part 1: Introduction and overview – Introdução e visão geral

Traz a introdução e uma visão geral do protocolo IEC 61850.

Technical Specification - Part 2: Glossary – Glossário

Trata-se de uma coleção das terminologias e definições utilizadas no contexto dos sistemas de automação de subestações, de acordo com as diversas partes da norma.

Part 3: General requirements – Requisitos Gerais

Contém os requisitos de qualidade, como confiabilidade, mantenabilidade, segurança e disponibilidade do sistema. Além disso, especifica as condições ambientais, os serviços auxiliares e outras condições gerais da norma.

Part 4: System and project management – Gerenciamento de Sistema e de Projeto

Em termos de engenharia, são classificados os parâmetros, as ferramentas e a documentação. Já em relação ao ciclo de vida do sistema são detalhadas as versões dos produtos, a descontinuidade e o suporte após a descontinuidade. Há ainda a certificação da qualidade, que trata das responsabilidades, dos equipamentos e dos sistemas de testes.

Part 5: Communication requirements for functions and device models - Requisitos de Comunicação;

São dispostas as interfaces lógicas, os requisitos e a interoperabilidade; As funções dos sistemas de automação de subestações, como as categorias, listas, especificações e requisitos de performance das funções. São conceituados os nós lógicos, suas categorias, utilização, interação e especificação dos tipos de mensagens.

Part 6: Configuration description language for communication in electrical substations related to IEDs - Configuração do Sistema de Automação da Subestação;

Introduz uma visão geral do processo de engenharia dos sistemas; A definição da troca de parâmetros do sistema, que contém as descrições dos esquemas primários e das comunicações, além das capacidades dos IEDs; A alocação das instâncias lógicas para o sistema primário e dos nós lógicos aos dispositivos físicos.

Estrutura Básica de Comunicação (7-1; 7-2; 7-3; 7-4)

Part 7-1: Basic communication structure for substation and feeder equipment – Principles and models

Introdução ao capítulo 7 e os conceitos de modelagem da comunicação no IEC 61850.

Part 7-2: Basic communication structure for substation and feeder equipment – Abstract communication service interface (ACSI)

Contém a especificação dos modelos de comunicação abstrata e seus serviços, além dos conceitos do modelo hierárquico de objetos.

Part 7-3: Basic communication structure for substation and feeder equipment – Common data classes

Trata das classes de dados comuns.

Part 7-4: Basic communication structure for substation and feeder equipment – Compatible logical node classes and data classes

Define as classes de dados e de nós lógicos.

Part 8-1: Specific Communication Service Mapping (SCSM) – Mappings to MMS (ISO 9506-1 and ISO 9506-2) and to ISO/IEC 8802-3

Mapeamento para Ethernet e MMS, dos modelos de comunicação a partir da seção 7.2, exceto para o modelo de transmissão dos valores amostrados.

Part 9-1: Specific Communication Service Mapping (SCSM) – Sampled values over serial unidirectional multidrop point to point link

Mapeamento dos elementos do núcleo a partir do modelo para transmissão dos valores medidos amostrados, além do uso do IEEE 802.3.

Part 9-2: Specific Communication Service Mapping (SCSM) – Sampled values over ISO/IEC 8802-3

Mapeamento do modelo completo de transmissão dos valores medidos amostrados e do modelo para os eventos de sistema orientados a objetos genéricos.

2.5 Sistemas Digitais de Subestações

As subestações de energia elétrica atuais possuem sistemas de controle e supervisão que funcionam através de computadores, relés digitais de proteção e medição, unidades de controle, CLPs, entre outros. É necessário que estes dispositivos "conversem" entre si para que permitam ser controlados e monitorados, no entanto, normalmente são de fabricantes diferentes ou ainda de gerações diferentes, o que resulta em dificuldade no estabelecimento das comunicações por conta dos protocolos específicos.

Ao longo da história, foram criados diversos protocolos por parte dos fabricantes, o que exigia alguns requisitos de hardware, como conversores e cabos dedicados, para que houvesse a troca de mensagens entre dispositivos. DNP 3.0, Profibus FMS, Modbus, IEC 60870-5-101, IEC 60870-5-103, IEC 60870-5-104 são apenas alguns dos protocolos existentes para comunicação entre dispositivos de proteção e controle [8].

As subestações normalmente estão localizadas distantes dos centros de consumo. Com a evolução da organização dos sistemas elétricos, foram criados os centros de operação, que podem ser de sistema, regionais ou ainda de distribuição. Para que estes possam comandar e controlar as subestações, há a necessidade do uso das UTRs (Unidades de Terminal Remoto) ou ainda das UACs (Unidades de Aquisição de Dados e Controle), que estão fisicamente instaladas nas subestações e funcionam como uma ponte entre os centros de operação e os equipamentos das subestações. Na prática, todos os dados importantes para a operação da subestação, tais como medições de corrente, tensão, temperaturas, bem como os estados dos disjuntores e chaves seccionadoras são automaticamente atualizados para as operações local e remota.

O termo Sistema Digital surgiu pelo fato de que todos os componentes deste tipo de subestação são eletrônicos, necessitam de fonte auxiliar de alimentação e dispõem de portas de comunicação para acesso remoto e aquisição de informações de processo. São computadores industriais, dispositivos de rede e conectividade, conversores de protocolo, unidades de controle, relés de proteção, etc. Com o passar dos anos, os relés vêm agregando cada vez mais funções, o que diminui o quantitativo de dispositivos por painel, sem que haja perdas em suas funcionalidades. Um mesmo relé pode funcionar como proteção, medição e controle, por exemplo.

Mas apesar da possibilidade de comunicação com centros remotos, os relés e unidades de controle dos vãos das subestações operavam de forma independente, sem interação entre eles, o que eventualmente, nos casos de emergências, necessitavam do apoio local das equipes de manutenção. Um dos principais benefícios da evolução tecnológica nos sistemas de proteção e automação é que há a possibilidade desta integração, o que aumenta a qualidade na operação das subestações, a confiabilidade das informações entre os dispositivos e um menor número de intervenções humanas.

O protocolo IEC 61850 funciona sob topologia de rede ethernet e com isso todos os dispositivos associados possuem vital importância para a operação das subestações modernas, visto que por eles trafegam todas as informações necessárias para monitoramento adequado dos equipamentos.

A figura 12 representa um tipo de topologia empregada em subestações de tecnologia digital. Na subestação, todos os IEDs, IHM, gateway, roteador e o notebook da manutenção estão ligados na mesma rede LAN, o que permite a interação total entre eles. A partir da rede WAN e da conexão estabelecida através dos roteadores, há o acesso da subestação a partir da LAN do Centro de Controle e Engenharia, onde por sua vez estão conectadas as estações de operação e engenharia, além do servidor SCADA.

Figura 12 - Estrutura de uma rede de automação de subestação

2.5.1 - Topologias e Níveis de Supervisão

Define-se como topologia a arquitetura do sistema computacional que compõe o sistema de controle e automação da subestação. Existem dois tipos de topologias aplicadas aos sistemas automatizados de subestações [8]:

  • Topologia centralizada: É típica de SAS mais antigos com tecnologia limitada à capacidade de processamento e comunicação entre equipamentos com baixo grau de desenvolvimento;
  • Topologia descentralizada: É o tipo de topologia atual utilizada nas subestações e é baseada nas tecnologias de rede LAN, utilizando-se de fibras óticas, cabos UTP/STP, switches, modems, computadores com a função de IHM, conversores eletro/óticos, terminal servers, entre outros.

Muitos dos equipamentos possuem duas portas de comunicação e estas são ligadas em pontos distintos do sistema (switches diferentes, por exemplo) com o intuito de minimizar as possibilidades de falha na comunicação. Em outros casos, são encontrados equipamentos ligados em série, o que forma uma rede com a topologia anel. No entanto, caso uma das portas venha a falhar, a outra assume a comunicação, que é restabelecida por outro caminho.

Existe um equipamento típico comum a todas as topologias que é o servidor de tempo baseado em GPS. É um dispositivo que envia para a rede, através do protocolo NTP ou SNTP, um sinal de tempo que serve para sincronizar todos os demais dispositivos da instalação, no intuito de que os registros por estes efetuados possuam a mesma referência temporal, facilitando as análises nos casos de falhas nos sistemas. Essas análises são muito frequentes em projetos de subestações e durante as ocorrências, principalmente pelo sistema de proteção [12].

O GPS constitui-se de 32 (trinta e dois) satélites orbitando em torno da Terra a uma altura aproximada de 20.200km acima do nível do mar, permitindo aos receptores conhecer sua posição em qualquer lugar sobre a Terra com uma notável precisão. Isso assegura que todo ponto da superfície terrestre, em qualquer instante, seja visualizado por pelo menos quatro satélites [13].

As subestações, para efeito de organização, são divididas em níveis de supervisão, o que permite haver a operação da subestação por cada um deles. Esses níveis são:

Nível 0: É o nível mais elementar de comando e supervisão. Está situado nos próprios equipamentos de campo e permite manobras, medições e avaliação dos estados apenas nos armários de comando e controle locais. Na prática, é utilizado apenas quando algum dos níveis superiores de supervisão falha ou quando de trabalhos de manutenção;

Nível 1: Está situado nos relés e unidades de controle, ou ainda em IHMs específicas que estão normalmente instaladas nas salas de relés ou serviços auxiliares. Todos os dispositivos que funcionam como unidades de controle possuem recursos para comandar equipamentos e aquisitar medições, entre outros, que permitem ao operador o controle da subestação nos casos de falha no nível 2;

Nível 2: Compõe o nível principal de operação da subestação. O sistema supervisório local permite aos operadores da instalação acesso às medições, sinalizações, comandos e informações de estado dos dispositivos do sistema digital, bem como lista de alarmes, sequencial de eventos, criação de impedimentos de manobra, entre outros recursos. É o nível mais completo em termos de quantidade de itens supervisionados por estar em contato direto com os equipamentos e pela necessidade dos operadores de conhecer os estados de todos os dispositivos da subestação;

Nível 3: É a operação a partir dos Centros Regionais de Operação, que normalmente localizam-se distantes das subestações. Para que seja possível a operação remota das mesmas, é necessário que haja um dispositivo conhecido como UTR ou Unidade de Terminal Remota, como visto anteriormente na seção 2.5, permitindo que as medições, sinalizações e comandos sejam disponibilizados, fazendo com que o operador do Centro tenha controle total sobre a subestação. Esse tipo de operação é conhecida como Operação de Tempo Real.

Estes níveis de supervisão e alguns exemplos de componentes de cada um estão representados na figura 13.

Figura 13 - Níveis de Operação de Subestações

Um dos benefícios da automação de uma subestação é a capacidade de monitoramento/controle remoto. No Brasil, todas as subestaç ões de alta tensão se reportam a centros de controle regionais do Operador Nacional do Sistema (ONS) que se reportam diretamente a um centro de controle nacional [8].

As comunicações podem ser verticais, realizadas entre es tes níveis hierárquicos, ou horizontais, que ocorrem dentro de um mesmo nível. A comunicação entre os níveis 1 e 2, denominada co municação vertical, como por exemp o, as informações de configuração e operacionais (SCADA), são transferidas no modo cliente-servidor, diferentemente do modo mestre-escravo utilizado nos protocolos anteriores. Este modo de transmissão utiliza todas as camadas do modelo OSI e t em a vantagem de ter desempenho com tempo s curtos de resposta, da ordem de 100 a 200 ms.

3 Como os dispositivos de proteção elétrica são testados, comissionamentos e as dificuldades encontradas nas atividades com relés digitais de proteção

3.1 Como os dispositivos de proteção elétrica são testados?

Devido a sua grande importância nos sistemas elétricos de potência, os relés de proteção são cercados de cuidados para que seu funcionamento esteja dentro do esperado sempre, visto que operações indevidas podem causar prejuízos de diversas naturezas.

As principais empresas do setor possuem programas de manutenções preventivas efetivos, onde todos os relés de proteção em operação devem ser inspecionados, retirados de serviço momentaneamente para uma série de testes e colocados em operação novamente em seguida. Um detalhe importante que deve ser ressaltado é que com as condições impostas pela legislação atual do setor elétrico, os ativos (LTs, transformadores, reatores, etc.) não podem ser desligados, ou seja, os riscos envolvidos para os profissionais de manutenção são grandes.

Para tanto, é necessário conhecer os métodos adequados a cada tecnologia de relés. No caso dos eletromecânicos, é possível extrair o relé do sistema literalmente, já que são conectados a uma base e esta base é que contém as interligações com o sistema. Já com os relés estáticos, é necessário realizar os testes com o relé em seu lugar de operação, atentando apenas para as interligações que possam causar desligamentos acidentais indesejados. Com os relés digitais também não é possível extraí-los dos painéis e os testes devem ser realizados com os mesmos cuidados dos relés estáticos e alguns extras como os sinais que trafegam pela rede de processos.

Com o IEC 61850, sinais de controle, proteção e medição são exemplos destes sinais presentes nesta rede.

"No caso do ensaio de um relé microprocessado convencional, o equipamento de teste deve simular uma seqüência de estados, realizando mudanças dinâmicas nas grandezas analógicas através de suas saídas de tensão e corrente. Ao mesmo tempo, o equipamento teste deve simular os contatos auxiliares de disjuntores e de quaisquer outros dispositivos que podem afetar o desempenho do relé em teste. Ainda, para completar a análise, esse mesmo equipamento de teste deve monitorar as saídas do relé em teste a fim de detectar as mudanças dos estados simulados (disparo, partida, bloqueio, etc.) e avaliar o desempenho desse IED [9].

Os ensaios são realizados através de "bancadas". Aliás, este é o termo mais utilizado para se fazer estes tipos de testes. É montado uma estrutura com um instrumento de ensaio, o relé que se quer testar e são feitas as ligações para alimentação de tensão e corrente, bem como os contatos de entrada e saída, a fim de se atestar as funcionalidades desejadas.

Esses instrumentos de ensaios, bem como os relés digitais, possuem softwares para a parametrização e o controle das funções. Logo, para a realização dos testes, também se faz necessário o uso de um computador. Confere-se todas as ligações e a tensão de alimentação dos equipamentos, os ajustes do instrumento e do relé e, a partir daí, os testes são iniciados.

São executados os testes de aquisição de tensão e corrente, conferindo os módulos e as defasagens, a fim de assegurar que o relé está recebendo corretamente as informações analógicas do equipamento de teste. A próxima etapa é a simulação dos defeitos, onde o equipamento de teste gera os sinais de falta para o relé. São então avaliadas as respostas do dispositivo, comparando-as com os valores esperados e produzindo os relatórios de testes com estas comparações.

O ideal para estes ensaios é que se possa trabalhar sempre com o relé em bancada, o que causa segurança total ao equipamento do sistema que o relé protege, por não interferir nos sistemas de controle e não provocar desligamentos indesejados. Como os sistemas nas subestações são muito heterogêneos e nem sempre é possível retirar o relé do seu local de trabalho, é recomendado uma análise caso a caso do que deve ser desligado ou seccionado para que o ensaio ocorra com segurança. Pode ser pela isolação dos circuitos de trip através da desconexão de cabos, pela retirada de relés auxiliares ou ainda pela interrupção da comunicação do relé com a rede de processos.

Sempre com os testes funcionais são verificadas as condições impostas pelo projeto, como intertravamentos, sinalizações locais e remotas, atuações nos relés auxiliares, entre outros, com o objetivo de confirmar que o relé continua exercendo suas funções de acordo com o que lhe foi atribuído.

3.2 Comissionamentos: o que deve ser testado?

Comissionar, em termos de equipamentos de sistemas elétricos, significa testar todas as funcionalidades especificadas em projeto com os equipamentos já instalados na subestação, em seus respectivos painéis, e prontos para entrar em operação.

Como os relés são fabricados para utilização das mais diversas formas e condições de operação, a cada novo projeto são avaliados os comportamentos esperados e as funcionalidades de todas as interfaces (entradas e saídas digitais físicas e virtuais, lógicas de operação/intertravamentos e de comunicação) com o sistema.

Para tanto, os relés são inspecionados em termos de ajustes, instalações mecânicas e elétricas, conformidade com o projeto quanto às interligações com os equipamentos de pátio, como os transformadores de instrumentos e os dispositivos de manobra.

Entre os principais itens dos testes de comissionamento, citam-se:

  • Ligações dos TCs com polaridades adequadas;
  • Confirmação dos seccionamentos dos circuitos de corrente e de tensão pelas chaves flextest;
  • Mistura de potenciais VCC entre as barras de controle e proteção;
  • Conferência da parametrização dos dispositivos (relés de funções principais, unidades de controle, temporizadores externos, RDPs, etc);
  • Conferência da operação dos diagramas lógicos do usuário, conforme projeto;
  • Verificação das sinalizações em todos os níveis de supervisão (0, 1, 2 e 3);
  • Atuação das funções de proteção conforme os parâmetros ajustados;
  • Comandos de todos os equipamentos de pátio envolvidos (disjuntores, seccionadoras, entre outros).

Normalmente nas empresas do setor elétrico existem equipes distintas para os trabalhos de comissionamentos. A equipe que comissiona um disjuntor ou um transformador é diferente daquela que comissiona um relé ou o sistema supervisório, por exemplo. Apesar de interligados, os equipamentos de pátio são testados independentemente dos equipamentos de controle e proteção. Para que isso se torne operacional, as equipes de proteção e supervisório iniciam seus trabalhos quando o pessoal de pátio termina, o que minimiza o tempo total do comissionamento.

Esta é uma fase importante do processo de integração de uma subestação ao sistema elétrico existente, pois certifica que suas instalações estão de acordo com os padrões de operação e prontas para a interface com as demais subestações.

3.3 Dificuldades encontradas

Como citado na seção 3.1, as subestações possuem instalações bastante diversificadas, o que implica em um cuidado extra do profissional que irá executar os testes no que se refere à segurança de utilização dos recursos.

Itens como documentação técnica desatualizada, instalações sem a correta identificação e/ou provisórias dificultam os ensaios por introduzir pontos de falhas sem que haja o correto tratamento. Não é difícil se deparar com situações assim, pois nem sempre há tempo hábil entre a conclusão de um trabalho e o início de outro para a execução da atualização da documentação técnica, uma das principais ferramentas de trabalho para os engenheiros e técnicos do sistema.

Algumas vezes são encontrados conectores com avançado estágio de corrosão ou mal executados. Em outras, relés auxiliares quebrados ou queimados, que necessitam de intervenção extra antes de se iniciar os testes com os relés principais. Outra dificuldade está no fato de que nem sempre estes relés auxiliares estão instalados em local de fácil acesso, o que em muitos casos se torna impossível a manipulação sem o desligamento do equipamento principal, LTs ou transformadores, por exemplo.

Por conta de questões estratégicas no âmbito comercial das empresas, os sobressalentes deixaram de ser adquiridos por tornarem os empreendimentos mais onerosos, o que impossibilitaria a empresa de vencer as licitações para as concessões de geração e transmissão no modelo atual do sistema elétrico nacional. Esses sobressalentes seriam relés, fontes, disjuntores, enfim, todos os equipamentos dos sistemas de automação e só são comprados nos casos de urgências. Sem eles, os sistemas funcionam com restrições operacionais e dependendo da gravidade, podem até se tornar indisponíveis, o que gera multas para a empresa.

4 O IEC 61850 funcionando como agente otimizador dos ensaios de relés digitais

4.1 Por que os ensaios se tornam mais simples e envolvem menos riscos?

Como visto no capítulo 3, os ensaios de relés exigem alguns recursos extras que, apesar de disponíveis, podem resultar em instalações complexas e muitas vezes incompletas para os testes. Os projetos de MPCC antigos utilizam muitos relés auxiliares, botões e chaves de comando, interligações físicas com outros vãos e as fiações correspondentes. Todos esses itens ocupam espaço e nem sempre podem ser usados sem um local adequado, como painéis ou chassis.

O IEC 61850 introduziu a possibilidade do tráfego de informações entre os vãos e entre os dispositivos do mesmo vão através da rede de processos. Significa dizer que não é necessário a instalação de um relé auxiliar ou de utilizar uma saída binária de um relé de proteção para informar a uma unidade de controle se o religamento automático de uma LT está ativado ou não, por exemplo. São inúmeras as aplicações desse recurso e a cada novo projeto são verificadas novas maneiras de dispor esses dados.

O fato do protocolo funcionar em rede permite que as informações dos outros dispositivos cheguem até o relé que está sendo testado de forma rápida e sem precisar ser instalado nenhum equipamento extra, ou seja, apenas com as configurações em cada relé e nas unidades de controle é possível estabelecer as comunicações necessárias.

No entanto, para que os ensaios sejam realizados desta maneira, são necessários alguns conhecimentos quanto às parametrizações dos dispositivos, pois pelo fato de serem interligados com a rede dos processos, os equipamentos dos demais vãos da subestação podem ser sensibilizados e atuados desnecessariamente. O protocolo IEC 61850 exige que cada dispositivo possua uma identificação e configurações detalhadas de todos os dados que irão ser distribuídos ou recebidos, com o objetivo de prevenir falhas de comunicação entre os dispositivos.

Os riscos dos ensaios são melhores controlados por conta da segurança imposta pelo protocolo TCP/IP, já que só pode existir um IP associado a cada dispositivo. A comunicação entre os relés está associada a estes números IP, o que impede que uma determinada informação seja "aproveitada" por um equipamento que não seja o especificado. O formato do pacote de informação dos padrões de transmissão de dados que o IEC 61850 utiliza contém o IP e o IED Name como identificadores do destino e da fonte da informação.

4.2 Economia de recursos, aumento da produtividade e os requisitos para o uso do IEC61850.

Nos dias atuais, as empresas vem se adequando às novas relações comerciais, que muitas vezes impõem restrições nos custos operacionais, influenciando diretamente nos resultados e em sua competitividade de mercado. Com o setor elétrico, há diversas maneiras de se trabalhar quanto a estas economias. Setores de comercialização, geração e transmissão de energia elétrica devem funcionar adequados às políticas das empresas, que estão valorizando cada vez mais as inovações e melhorias alinhadas aos recursos disponíveis.

O IEC 61850 favorece esta questão por causar uma economia considerável ao projeto e à instalação de seus equipamentos em comparação com a instalação de sistemas tradicionais. Cabos de interligação e fiações entre os dispositivos são substituídos pela comunicação via rede ethernet, o que promove uma otimização relevante dos custos globais.

Nos sistemas de MPCC das gerações anteriores, por exemplo, para uma informação chegar de um relé de um vão a outro relé em outro vão, era necessário a instalação de um fio deste relé até um conjunto de bornes denominado de régua, na parte traseira do painel ou chassi. A partir deste ponto, deve ser instalado um cabo, que deverá prosseguir até o painel ou chassi do outro vão, que, por sua vez, deve ser conectado a um conjunto de bornes equivalente, para só então ser levado um fio até o relé desejado. Toda essa manobra é reduzida a duas configurações nas comunicações dos relés, vistos que estes são "alcançáveis" pela rede e qualquer informação pode ser facilmente trocada. O IEC 61850 é um protocolo nativo para comunicação em rede e conta com diversos recursos de interação disponíveis, muito úteis na implementação de soluções de automação de subestações.

As figuras 14 e 15 mostram as diferenças entre as conexões tradicionais e as conexões com o uso do IEC 61850 [9].

Switch / Rede da Subestação

Figura 14 - Conexões com fiação rígida entre relés. Fonte: [9].
Figura 15 - Conexões entre relés através de cabos de rede. Fonte: [9].

Os relés digitais possuem uma característica bastante interessante que é a possibilidade de carregar e descarregar conjuntos de ajustes, lógicas e parâmetros de comunicação do IEC 61850 de maneira fácil e rápida. Esta prática permite que o relé mude de comportamento temporariamente, por exemplo, o que é necessário nos ambientes de ensaios. Essa mudança é feita através do software do relé, onde são informados quais ajustes, quais lógicas ou quais arquivos *.mcl devem ser utilizados.

O tempo economizado durante a instalação e a parametrização dos dispositivos é um dos diferenciais do uso do IEC 61850. Qualquer mudança pode ser implementada rapidamente e isso contribui para a gestão adequada da quantidade de homem x hora gastos durante o projeto e o comissionamento.

Essas são apenas algumas das facilidades que o protocolo IEC 61850 introduz aos sistemas de automação e, justamente por conta delas, está sendo um dos protocolos mais utilizados em todo o mundo.

Um sistema de teste dever permitir um ensaio apropriado, adequado às exigências do sistema de proteção e comunicação, simulando as características da subestação e do sistema elétrico. Para tal, ele deve possuir as seguintes funções [9]:

  • Simuladores de sinal analógico que proporcionam correntes e tensões aos IEDs testados.
  • Simuladores de sinal digital que representam as mudanças do status do disjuntor e outro simulador de sinais com controle remoto tal como saídas tradicionais para o IEDs.
  • Simuladores de comunicação que geram mensagens GSSE/GOOSE a fim de simular a operação de outros IEDs conectados à rede da subestação local.
  • Analisador de mensagem GSSE/GOOSE que monitora e registra o tempo das mensagens recebidas proveniente do IEDs em teste a fim de avaliar desempenho/resposta do relé.
  • Ferramentas de configuração que permitam ao usuário configurar o dispositivo teste para os requisitos dos IEDs testados e enviar mensagens GSSE/GOOSE simuladas para múltiplos IEDs incluídos no sistema de proteção, operando com comunicações de alta velocidade ponto-a-ponto distribuídas.
  • Software de teste que permite configuração flexível das seqüências de teste solicitadas e simulações que utilizam as funções acima.

5 Estudo de caso: ensaios de relés multifuncionais P442 - Areva, aplicados à linha de transmissão 04F4, 230 kV, GNN-SRD, sistema Chesf.

5.1 - Instrumentos e materiais utilizados nos ensaios

  • Relé Multifunção P442 Areva, modelo P44231AB6M0360J
  • Caixa de testes Doble, modelo: F6150
  • Switch Ruggedcom, modelo: RSG-2100
  • Notebook com softwares do relé e da caixa de teste
  • Cabos Ethernet UTP Cat.6
  • Cabo serial para comunicação com o relé
  • Fiações auxiliares

5.2 - Ensaios da função de distância

5.2.1 - Arquivos *.RIO e facilidades envolvidas

Este formato de arquivo é compatível com as diversas ferramentas de ensaios disponíveis no mercado e tem o intuito de transformar os ajustes da função de distância dos relés em gráficos que facilitem a visualização dos pontos de testes, reduzindo o tempo gasto com os ensaios.

Para que o relé atue, é necessário que o instrumento de teste envie os sinais da falta, onde cada um deles terá valores de tensão e corrente (módulo e ângulo) do defeito que se quer simular. No teste tradicional, é necessário que o profissional conheça estes valores, que nem sempre estão disponíveis facilmente e os cálculos para encontrá-los são complexos. Como no arquivo .RIO são informados os valores dos ajustes e as curvas características de cada função do relé, os valores de falta são obtidos simplesmente clicando em um ponto do gráfico, o que representará um defeito.

Como visto na seção 2.1.2, os defeitos são separados por zonas de atuação quando se utiliza a função de distância. Normalmente são utilizadas quatro zonas, sendo uma delas com direção reversa. São ajustados: alcances; tempos de operação; fatores de compensação e direcionalidade.

Estas zonas são então representadas em um gráfico, conforme a figura 16, onde é possível escolher diversos pontos de defeitos, bem como que tipo de falta será aplicada ao relé (monofásica, bifásica ou trifásica, envolvendo a terra ou não), que serão então gerados pelo instrumento de ensaios.

Figura 16 - Arquivo .RIO

O arquivo .RIO é obtido a partir dos softwares dos próprios fabricantes, uns diretamente da ferramenta de edição de parâmetros e lógicas, outros através de softwares auxiliares com este propósito específico. Pode ser armazenado em qualquer pasta, da mesma forma de qualquer outro formato de arquivo, para que possa ser importado pelo instrumento de ensaio posteriormente.

Desta maneira, o teste se torna mais rápido e fácil de ser executado. Como a função de distância é uma função de impedância, não há praticidade em obter valores de tensão e corrente de defeitos em diferentes pontos das LTs manualmente. Os instrumentos de testes dispõem desta ferramenta que converte pontos de impedância automaticamente em pontos de tensão e corrente, o que permite testar defeitos em todas as zonas de atuação.

5.2.2 Parametrizações preliminares dos relés e do instrumento de ensaio

Para que os ensaios aconteçam com segurança, são necessárias mudanças nos parâmetros dos relés, visto que estes não poderão funcionar com seus projetos originais, momentaneamente. O instrumento de teste, por sua vez, necessita conhecer que dados irá monitorar e quais características do relé serão testadas.

Os softwares F6 Test (Doble) e MiCOM S1 Studio (Schneider) são os responsáveis por estas tarefas. Ambos possuem uma infinidade de recursos de configuração dos equipamentos, o que permite ao profissional o total controle do dispositivo correspondente.

As características iniciais são os dados do equipamento que o relé está protegendo. Neste estudo de caso, uma linha de transmissão. Para uma dada LT, é necessário conhecer seus parâmetros e quais relações de transformação serão adotadas, para então ser conhecida a graduação da proteção, o que envolve, basicamente, as funções de distância, sobrecorrente, sobretensão, sincronismo, religamento e falha de potencial.

O relé é então configurado a partir destes dados. Para um relé digital, a quantidade de ajustes é bastante considerável e varia de fabricante para fabricante, de acordo com a quantidade de recursos disponíveis.

A tela inicial do MiCOM S1 Studio está representada na figura 17.

Figura 17 - Tela Inicial - MiCOM S1 Studio

O software permite criar a hierarquia do sistema em que se está trabalhando, com a subestação, o nível de tensão, o bay e o dispositivo, que por sua vez, está dividido em conexões, ajustes (settings), Lógica de esquema programável (Programmable Scheme Logic-PSL), MCL 61850 (arquivo de configuração do IEC 61850 do MiCOM), Medidas (Measurements), Sequencial de eventos (Events) e as oscilografias (Disturbance Records). A partir deste ponto, estes arquivos são manipulados no software e depois atualizados no relé. É possível, por exemplo, retirar os arquivos do próprio dispositivo, alterá-los e depois devolvê-los, como também é permitido realizar todas as tarefas “offline” e posteriormente carregar os arquivos prontos. Há bastante flexibilidade quanto às maneiras de trabalho.

O MiCOM possui algumas ferramentas auxiliares para as configurações. Para a edição da PSL é utilizado o PSL Editor (Px40), representado nas figuras 18 e 19, e para a edição dos parâmetros do IEC 61850 é utilizado o IEC 61850 IED Configurator, representado na figura 20. A PSL contém todos os diagramas lógicos implementados pelo usuário, que servem para executar tarefas específicas, bloqueios, sinalizações, entre outras funções. Todos os sistemas de proteção e controle atuais se utilizam destes recursos de lógica para suas atuações e consistências. Já no configurador do IEC 61850 são atribuídos dados de comunicação, como o nome do relé na rede de processos, que é utilizado em todos os pacotes de dados originados por este relé, o endereço IP, a máscara de sub-rede, o gateway, entre outros. É também possível especificar o endereço do servidor de tempo SNTP, que é a fonte de informação de tempo utilizada pelo relé para sincronizar o horário interno com o horário de referência padrão, fornecido por um servidor externo baseado pela tecnologia GPS e os dados que serão assinados ou publicados por este relé, como os estados de suas entradas/saídas ou medições, por exemplo.

Figura 18 - Tela Inicial do PSL Editor
Figura 19 - Detalhe da saída virtual de uma PSL
Figura 20 - Tela Inicial do IEC 61850 IED Configurator

Depois que todos estes dados estão armazenados no relé, podem ser utilizadas as ferramentas de testes propriamente ditas, que irão comprovar se a resposta do relé está de acordo com o que foi projetado e programado.

O software do instrumento de testes, normalmente, é bastante completo, o que permite organizar os ensaios, quais subestações foram atendidas e quais relés foram testados, entre outras possibilidades. O F6 Test utiliza o recurso de árvore, semelhante ao dos gerenciadores de arquivos dos sistemas operacionais, para separar os conjuntos de testes. As pastas podem ser nomeadas com o nome da subestação e dentro de cada uma podem ser incluídas pastas com os vãos correspondentes àquelas subestações. Em cada pasta associada a um vão são adicionados os relés, especificados através de modelo e fabricante. Um relé deve conter 4 (quatro) conjunto de ajustes básicos, que são:

Plano de Teste: Permite criar conjuntos de testes, que podem ser classificados por atividade. Ex: Manutenção Preventiva / Corretiva / Troca do firmware;

Parâmetros do Relé: São informados a subestação, vão em que o relé se encontra, tensão e corrente nominais, características de ensaios (funções de impedância / sobrecorrente / direcionalidade / etc.);

Conexões e Sinalizações: Local para configuração dos sinais analógicos, entradas/saídas digitais e disparadores, representados na figura 21;

Figura 21 - Tela de Entradas Digitais e Disparadores

Bloco de Anotações: Permite ao usuário incluir detalhes sobre os procedimentos adotados nos ensaios ou referências de documentação, por exemplo.

O arquivo .RIO é importado através da área "Parâmetros do Relé" e é conhecido como função Impedance (impedância) pelo F6 Test. O instrumento então pode utilizar esse gráfico através da função Z-time, onde serão marcados os pontos de teste e verificados os resultados. Nesta área também são criadas as funções overcurrent (sobrecorrente) e directional (direcional) associadas aos ensaios de sobrecorrente do relé. Para a função de sobrecorrente, são informados quantos estágios de sobrecorrente serão utilizados, qual ou quais as curvas ajustadas e os respectivos pickups e ajustes de tempo. Estes procedimentos serão detalhados nas seções 5.2.3, 5.3.3 e 5.3.4.

Um disparador, com uma definição simples, é a maneira que o instrumento "sabe" se um relé operou ou não. O instrumento usa a mudança de estado de um disparador para interromper um teste e definir o resultado, através do tempo da atuação. Essa configuração é necessária justamente por ser a condição de avaliação da operação correta do relé sob ensaios. Os instrumentos de testes atuais possuem o recurso de associar entradas físicas ou lógicas aos disparadores, o que aumenta a flexibilidade disponível ao profissional. O software permite usar até 40 (quarenta) inputs, no entanto, é necessária apenas uma para ensaios básicos. No modelo Doble F6150, são 8 (oito) entradas físicas e 32 (trinta e duas) entradas lógicas.No caso dos testes utilizando o IEC 61850, são utilizadas as entradas lógicas, iniciadas a partir da 9ª (nona) entrada (Inp 9), como identificada na figura 21 acima.

Determinados os ajustes gerais, é necessário a implantação dos ajustes de rede no instrumento de testes. Estes ajustes estão associados às mensagens de entrada ou saída que deverão trafegar pelo instrumento. No caso da F6150, é preciso descarregar esses ajustes toda vez que o instrumento for desligado, pois não há memória interna para esse conjunto de parâmetros. Este procedimento é realizado pelo software IEC 61850 GSE 2.0 Configurator, em, basicamente, 4 (quatro) passos, os quais estão representados nas figuras 22, 23 e 24 em seguida.

Figura 22 - Tela Inicial do GSE 2.0 Configurator

O arquivo de configuração 61850 do relé deve ser previamente criado pelo próprio software de parametrização do relé e deverá ser de uma das extensões: *.cid, *.icd ou *.scd, que são extensões nativas do protocolo e que contém os dados do dispositivo. Podem ainda ser utilizados arquivos criados pelo próprio GSE 2.0 Configurator, que são *.gsx (mensagens de subestação) ou *.gcx (configuração de testes).

A Doble utiliza a terminologia GN para mensagens de Entrada e GP para mensagens de saída. Como para os testes o instrumento só receberá sinais, apenas a coluna GN deve ser configurada. Podem ser configuradas até 32 mensagens, o que possibilita desenvolver uma grande variedade de testes.

Figura 23 - GSE 2.0 Configurator - Mensagens da Subestação
Figura 24 - GSE 2.0 Configurator - Entradas do F6

Com os devidos preenchimentos das informações, se faz necessário enviar os ajustes para o instrumento, o que é realizado através do botão “Enviar para F6000”, que acessará o instrumento pela porta serial ou pela porta de rede e permitirá que haja a troca de informações entre o instrumento de ensaio e o relé através do protocolo IEC 61850.

Com todos os ajustes requeridos concluídos, iniciam-se os ensaios com as funções determinadas nos planos de teste.

5.2.3 Testes com Módulo Distance - Característica Z-Time

Este módulo foi projetado com o objetivo de facilitar as atividades do profissional de proteção quanto aos testes da função de distância. Possui todos os recursos necessários, como importação do arquivo *.RIO, configuração dos tempos máximos de cada passo, separação das atuações por zona, valores de pré-falta, relatórios, as unidades de tempo, entre outros.

A configuração que especifica que o instrumento de ensaio terá uma entrada lógica (GOOSE) como referência de atuação deve ser feita na seção “Temporização do teste e Seleção do Disparador”, conforme a figura 25. Lá, nos ajustes dos disparadores, o usuário deve informar, para todos os tipos de falta, qual input será utilizada para tal objetivo, a fim de determinar os tempos de atuação do relé.

Figura 25 - Tela da Seleção dos Disparadores

Também são especificados nesse ambiente as unidades de tempo que serão utilizadas (ciclos, milisegundos ou segundos), a duração da pré-falta, a duração máxima da falta e o tempo entre os disparos. Nos testes envolvendo as zonas além da zona 1, o tempo de duração máxima deve ser observado e adequado, já que estas zonas são temporizadas e só operarão se o instrumento mantiver as faltas durante os tempos ajustados no relé.

A partir dessas configurações, pode-se utilizar o gráfico importado do arquivo *.RIO e clicar diretamente sobre os pontos de teste desejados. O F6 Test pode armazenar mais de um ponto por tipo de defeito (monofásicos, bifásicos ou trifásicos) e executá-los nas respectivas ordens ou conforme seleção, na aba “Teste”. As figuras 26 e 27 mostram as possibilidades de ensaios e os valores de falta aplicados para defeitos trifásicos nas quatro zonas.

Figura 26 - Tela ZTempo - Pontos de Teste

Com os pontos marcados, deve-se selecionar os tipos de falta e "partir" o instrumento. Automaticamente, ele irá produzir as faltas e registrar os tempos de atuação na coluna "Tact", existente dentro da seção "Pontos de Teste e Resultados". Através do valor de referência especificado em Texp, o F6 Test determina os seguintes estados:

  • Pass: O ponto escolhido foi aprovado;
  • NoOP: Não houve operação do relé para o ponto escolhido.
Figura 27 - Tela ZTempo - Testes

Esses tempos de atuação são determinados pela chegada da informação de operação do relé através da rede de processos, pela entrada virtual criada no instrumento a partir do GSE 2.0 Configurator, software da Doble responsável pela comunicação em IEC 61850, como apresentado na seção 5.2.2. Como é necessário a especificação de qual relé virá a informação, o ensaio se torna bastante seguro, por não interferir nos demais dispositivos da subestação.

Outro recurso importante que pode ser bem aproveitado pelos profissionais de proteção é a possibilidade de conhecer quais são os valores aplicados, as defasagens e os diagramas fasoriais dos defeitos. Clicando-se em "Mostrar fasores" na aba "Teste", surge uma janela conforma a figura 28, contendo todas as informações, que são úteis como ferramenta de estudos.

Figura 28 - Tela ZTempo - Valores de Falta e diagrama fasorial

5.2.4 Testes com Módulo State Simulator

Este módulo permite que as faltas sejam programadas através de estágios, ou estados como o próprio software trata. Facilita bastante os trabalhos visto que é possível um número relativamente grande de estágios, o que abrange boa parte dos tipos de faltas possíveis em um sistema de potência.

Qualquer falta, seja de qualquer natureza, é precedida pelo sistema em condições operacionais nominais. Esse período é conhecido como pré-falta e em termos dos instrumentos de teste, é simulada através das três tensões e das três correntes nominais, defasadas em 120°, além da tensão de barra, que deve estar em fase com uma das tensões da LT que se quer simular. Normalmente esse é o primeiro estágio para qualquer ensaio.

Já com o segundo estágio, pode-se aplicar os valores de tensão e corrente, considerando as defasagens e frequências associadas, para cada tipo de defeito. Defeitos de primeira zona monofásicos, por exemplo, possuem valor de tensão perto de 0V e corrente de 4 a 5 vezes do valor nominal, defasada de -70° em relação à fase do defeito. Para os demais defeitos de distância, há variações nos valores de tensão e corrente, bem como seus ângulos, que podem ser informados diretamente ao instrumento de ensaio. Neste caso, é uma desvantagem em relação ao módulo Distance, já que neste é possível simplesmente clicar em um ponto da característica para que este reproduza o defeito.

O instrumento de teste conta com a flexibilidade de avançar os estágios de diversas formas. Pode ser por tempo definido, por entrada digital ou ainda por controle manual. Isso permite definir o tempo de duração da pré-falta ou ainda qual foi o tempo de operação do relé, por exemplo.

As figuras 29 e 30 representam o módulo State Simulator, em sua tela principal e a tela de resultados.

Figura 29 - Tela State Simulator - Teste
Figura 30 - Tela State Simulator - Medição do tempo de atuação

5.2.5 Esquemas de Ligação

Os relés digitais possuem a particularidade de utilizarem as mesmas fontes de tensão e corrente para processarem as faltas e tomarem suas decisões a cerca de qual função de proteção deverá atuar.

Alimenta-se o relé do modo determinado em projeto, considerando as polaridades dos TCs e as particularidades como tensão de sincronismo ou compensação de mútua.

Todo relé digital necessita de alimentação auxiliar. Apesar de suas fontes serem universais (VCA / VCC) na maioria dos casos, sempre são alimentados em VCC, a partir dos retificadores da subestação. Como visto anteriormente, os equipamentos de proteção e controle das subestações de energia funcionam em VCC para garantir a continuidade de operação mesmo em casos de falta de energia CA ou contigências do sistema, já que contam com alimentação por baterias nestes casos.

Para os ensaios dos relés utilizam-se as tensões (VA, VB, VC, VN e VS) e as correntes (IA, IB, IC, IN) da LT que se quer avaliar. O instrumento de testes deve alimentar o relé com estas grandezas e a partir delas, as demais são calculadas pelo mesmo, que no caso da função de distância, a impedância é a mais importante delas.

Os relés digitais são flexíveis quanto aos tipos de ligação, podendo ser alimentados por TPs e TCs de diversas maneiras. No anexo B, figura 47, existe um tipo de ligação bastante comum em sistemas de proteção, onde as tensões e as correntes estão ligadas em estrela aterrada. Considera-se também a alimentação da tensão de barra (Vbusbar), útil para o check de sincronismo e o religamento.

Já a bancada é montada conforme a figura 31, o que inclui as conexões de rede e analógicas [9].

Figura 31 - Conexões da bancada de testes com IEC 61850. Fonte: [9].

5.3 Ensaios da função de sobrecorrente

5.3.1 Utilização das Curvas IEC/ANSI e direcionalidade.

É possível testar os relés através das curvas que foram ajustadas. O relé P442 deste estudo de caso está parametrizado para 2 (dois) estágios de sobrecorrente de neutro (Earth Fault O/C) e 1 (um) estágio de sobrecorrente de fase (Backup I>). O único a utilizar as curvas é a unidade temporizada de neutro, configurada para curva IEC Very Inverse, pickup de 0,9A e multiplicador de tempo de 0,85. Como há a direção como critério de operação, o relé P442 exige 2 (dois) parâmetros para esta definição que são: IN Char Angle (Ângulo da característica IN) e a Polarisation (Polarização). Os ajustes são -60º e Zero Sequence (Sequência Zero), respectivamente.

O instrumento de ensaios possui módulos específicos para simular todos estes parâmetros. O primeiro é denominado de I-Char (Característica de Corrente). O segundo é conhecido por Directional (Direcional). Serão detalhados nas seções 5.3.3 e 5.3.4.

5.3.2 Parametrizações preliminares dos relés de proteção.

É uma prática bastante normal entre os profissionais de proteção desativarem funções dos relés durante os testes, pois os algoritmos são executados simultaneamente durante uma falta e o relé operará por aquele que for o mais rápido. De modo geral, para um mesmo defeito, a função de distância é mais rápida do que a função de sobrecorrente, o que inibe o conhecimento a cerca da operação por esta última função, já que o instrumento de testes recebe a ordem de parada do relé antes que a função de sobrecorrente atue.

Para os próximos ensaios, a função de distância do relé será desativada através do MiCOM S1 Studio. O procedimento é simples e envolve apenas a troca de um parâmetro no menu “Configuration / Dist. Protection” de enabled (ativado) para disabled (desativado). Todas as demais funções podem estar ativadas sem impactos para os ensaios de sobrecorrente. O profissional tem que retornar à condição anterior após a conclusão dos ensaios.

5.3.3 Testes com Módulo Overcurrent (I-Char)

Os instrumentos de ensaios possuem módulos específicos para as funções de sobrecorrente dos relés. Os testes podem ser automáticos ou manuais, pelas curvas de tempo inverso e/ou de tempo definido. São verificados os tempos de atuação ou disparo, considerando a tolerância do dispositivo, a qual deve ser informada ao instrumento de ensaio. Essas tolerâncias podem ser atribuídas ao tempo ou à corrente de operação, de forma absoluta ou relativa (percentual).

Esse tipo de instrumento permite utilizar os parâmetros da proteção, tais como curva, tap, dial de tempo e condição de direcionalidade, de acordo com o modelo do relé que se irá testar, com o objetivo de garantir uma maior fidelidade na reprodução do defeito e aperfeiçoar a medição dos resultados. Estes dados são informados em campos específicos, dentro das configurações do relé no software F6 Test, conforme a figura 32.

Figura 32 - Configuração da função Sobrecorrente no F6 Test

Posteriormente, é criado um plano de testes com a função I-char, onde serão especificados os parâmetros dos defeitos. Quantidade de fases envolvidas, valores de pré-falta e da falta propriamente dita, os disparadores, tempos de atuação e os pontos de teste. Como pode ser visto nas figuras 33 e 34, o usuário pode definir a quantidade de pontos que achar adequada e o F6 Test determinará automaticamente as correntes de teste, os tempos esperados, máximos e mínimos, o que informará ao instrumento os parâmetros para avaliação dos resultados.

Figura 33 - Teste de Sobrecorrente - Disparadores
Figura 34 - Teste de Sobrecorrente - Pontos de Teste Monofásicos
Figura 35 - Teste de Sobrecorrente - Pontos de Teste trifásicos

Em cada ponto de teste, como a figura 35 mostra, o módulo irá avaliar os resultados comparando as respostas de operação de resposta do relé com o tempo nominal de operação. Se o ponto estiver dentro do tempo especificado, incluindo a tolerância, é considerado Aprovado. O software então determina o conjunto de testes como Aprovado se todos os pontos avaliados atenderem aos critérios citados.

Figura 36 - Teste de Sobrecorrente - Resultados dos testes monofásicos
Figura 37 - Teste de Sobrecorrente - Resultados dos testes trifásicos

O F6 Test gera os defeitos, o relé é então sensibilizado por eles e retorna os tempos de atuação novamente ao F6 Test, que os registra na coluna “Treal”, incluindo os erros percentuais (coluna %Erro) e a avaliação final (coluna Aval.). Estes resultados estão exibidos nas figuras 36 e 37 para os defeitos monofásicos e trifásicos.

Como visto, é uma ferramenta simples e ao mesmo tempo completa para a execução dos testes envolvendo as funções de sobrecorrente. São informados os parâmetros dos relés e o instrumento os utiliza para determinar se o relé está aprovado ou não nestes requisitos.

5.3.4 Testes com Módulo Directional

Este módulo permite ao instrumento de teste atestar se a direcionalidade de um relé de sobrecorrente está ajustada corretamente, testando os limites de operação a partir da MTA (linha do ângulo de máximo torque). O F6 Test conta com este recurso, que é bastante simples, para definir quais são os extremos de operação que distinguem defeitos à frente dos defeitos de direção reversa.

Inicialmente é necessário criar e ajustar uma função direcional (directional) no F6 Test. É realizada no mesmo ambiente das funções de distância e de sobrecorrente, e possui poucos ajustes, apenas 5 (cinco) por fase. As figuras 38, 39 e 40 mostram as telas de configuração da função direcional.

Figura 38 - Teste de Direcionalidade - Ajustes da função

Da mesma forma que nos ensaios anteriores, é criado um teste com a função Directional e pode-se então prosseguir com a parametrização. São especificados os valores de pré-falta, da falta, os disparadores, seguindo os procedimentos adotados anteriormente pelas funções já vistas. São definidos a MTA e as grandezas de operação e polarização.

Figura 39 - Teste de Direcionalidade - Elementos de Teste
Figura 40 - Teste de Direcionalidade - Configuração de Teste

A partir destes dados, o F6 Test monta os ensaios considerando as grandezas de polarização e operação. Nas figuras 41, 42 e 43 são listados os resultados dos testes fase a fase, que são registrados nos campos “Valores Reais”.

Figura 41 - Teste de Direcionalidade - Ensaios Fase A
Figura 42 - Teste de Direcionalidade - Ensaios Fase B
Figura 43 - Teste de Direcionalidade - Ensaios Fase C

5.3.5 Testes com Módulo State Simulator

Os testes com este módulo possuem características semelhantes daquelas utilizadas nos testes da função de distância. Na prática, devido à facilidade da troca de ajustes nos relés digitais, é possível testar as funções de sobrecorrente com a função de distância desativada, o que permite ao profissional distinguir melhor as atuações das unidades.

As faltas então são montadas através de estágios, que podem representar os diversos pontos das curvas de atuação. O instrumento, por sua vez, detecta os tempos de operação e registra os resultados, subsidiando a produção dos relatórios dos testes, para posterior avaliação do operador.

5.3.6 Esquemas de Ligação

Os mesmos critérios especificados na seção 5.2.5 são utilizados, já que os tipos de defeitos são processados através das lógicas e funções internas do relé.

6 Conclusão

Este trabalho registrou o avanço tecnológico dos sistemas de proteção e controle das subestações de energia elétrica resultante da implementação do protocolo IEC 61850. Este reduziu custos de projeto, comissionamento, integração e operação dos sistemas, permitindo aos profissionais total flexibilidade de ajustes e a criação de métodos mais eficazes de automação. Com a comunicação como critério básico para a topologia, se torna fácil interagir com os demais equipamentos das subestações, mesmo que em vãos distintos. Essa característica possibilita que informações de controle, proteção e medição estejam disponíveis na rede, bastando apenas a configuração adequada daqueles que necessitarem dos dados, como os sistemas supervisórios, por exemplo.

As atividades de ensaios de relés de proteção se beneficiam deste recurso por seus instrumentos serem compatíveis com o protocolo. Estes estão aptos a receber e publicar dados da mesma forma que os relés de proteção estão, o que permite a interação entre eles. O tempo gasto com a montagem das bancadas se torna bastante reduzido e essa otimização provoca o aumento na produtividade, item de interesse das grandes organizações.

Algumas empresas ainda adotam políticas de manutenção conservadoras por questões de conhecimento e preparação de seu corpo técnico. A especialização dos profissionais, de fato, é um entrave considerável à ampliação da utilização do protocolo. Equipamentos mal configurados podem causar desligamentos acidentais, intoleráveis pelas diretrizes do setor elétrico brasileiro atual. Tudo isso promove o aumento do tempo de intervenção e dos custos envolvidos, desde materiais até as despesas com funcionários.

Mas esta realidade vem mudando aos poucos. O IEC 61850 vem ganhando cada vez mais espaço e é o protocolo padrão atual para sistemas de automação de subestações. Pesquisas vem sendo realizadas pelos mais diversos fabricantes e empresas do setor elétrico, o que implica no desenvolvimento de novos equipamentos e novas técnicas de utilização, que tem como principais características a segurança, a confiabilidade e a disponibilidade necessárias aos sistemas.

6.1 Sugestões para trabalhos futuros

As seguintes pesquisas são propostas como continuação deste trabalho:

  • Transformadores de Potencial e de Corrente óticos, os impactos nos sistemas elétricos de potência e nos métodos de trabalho com relés de proteção.
  • Interoperabilidade entre dispositivos IEC 61850 de fabricantes diferentes aplicada aos ensaios de relés de proteção.
  • Integração entre os sistemas das subestações e dos Centros de Operação Regional através das redes corporativas e do protocolo IEC 61850.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

[1] GRID, Alstom. Network Protection & Automation Guide. Alstom Grid, 2011.

[2] MAMEDE FILHO, João. Proteção de sistemas elétricos de potência / João Mamede Filho, Daniel Ribeiro Mamede. - Rio de Janeiro-RJ : LTC, 2011.

[3] CAMINHA, Amadeu C. Introdução à Proteção dos Sistemas Elétricos – São Paulo-SP : Edgar Blücher ; Itajubá-MG, Escola Federal de Engenharia, Convênio Eletrobras, 1977.

[4] KUROSE, James; ROSS, Keith. Redes de Computadores e Internet. São Paulo-SP : Person, 2006.

[5] INTERNATIONAL ELECTROTECHNICAL COMISSION - IEC. Standard IEC 61850, "Communication networks and systems in substations" - Edition 1.0, 9 parts, Suíça, 2002-2005.

[6] PIMENTEL, Cecílio J.L. - Proteção Digital. Recife-PE : UFPE,

[7] MORAES, Marcelo C. Norma IEC 61850 – Estudo de Caso de Sistemas de Automação e Proteção de Subestações de Energia Elétrica - Campinas-SP, 2008

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[15] DOBLE ENGINEERING COMPANY. F6150/F6150A Power System Simulators User Guide – Watertown, Massachusetts, USA, 2005.

GLOSSÁRIO

Dropout: Termo utilizado para indicar quanto tempo após alguma atuação, um sinal ainda continua ativo.

Firmware: Este é o nome do programa que rege as funções internas de um dispositivo, tais como gerenciamento do processamento e capacidade de execução de suas funções. Se assemelha aos sistemas operacionais de um computador.

Flextest: Dispositivo de manobra localizado nos painéis de proteção que tem como função isolar os equipamentos principais do sistema, como relés, unidades de controle, oscilógrafos, qualímetros, entre outros, dos circuitos analógicos dos transformadores de instrumentos.

Hardware: Partes físicas de um dispositivo, tais como placas eletrônicas, gabinete, displays, bornes e demais itens.

Modbus: Protocolo de comunicação serial que permite a interligação de equipamentos sob a topologia de rede RS485/RS232.

Pickup: Termo utilizado para o valor de sensibilização ou atuação de um relé de proteção.

Software: Programas que permitem a manipulação de funções diversas a serem realizadas pelos computadores.

Trip: Termo utilizado para designar um desligamento automático a partir de um relé de proteção.

Vão ou Bay: Termo utilizado para especificar em que parte de uma subestação um determinado equipamento está instalado.