Nota Técnica

Autor: ESC Engenharia

TRANSFORMADOR DE CORRENTE

Os transformadores de corrente (TCs) são transformadores de instrumentos que adequam o valor das correntes do circuito para valores que podem ser monitorados pelos medidores de energia e IEDs.

Em série com o circuito primário e dispondo de várias opções de relação de transformação de corrente (RTC), o TC é construído para disponibilizar em seu circuito secundário, corrente elétrica reduzida com o máximo de fidelidade (mínimo atraso e preservação de forma possíveis) referente à corrente primária.

No escopo de aplicações em sistemas de proteção, os TCs devem apresentar erros máximos de 5 ou 10%, independentemente de sua magnitude, e são dimensionados seguindo as orientações normativas IEC 61869-2, IEEE Std C37.110 e NBR 6856.

Como orientação geral, para o correto dimensionamento, os TCs devem suportar as correntes de regime permanente e de curto-circuito, fornecendo respostas adequadas aos relés de proteção em situações de curto-circuito. Esta última exigência está diretamente relacionada com a saturação dos transformadores de corrente.

SATURAÇÃO DO TC

Os materiais ferromagnéticos, utilizados na produção dos núcleos dos transformadores, são compostos por dipolos magnéticos que têm naturalmente uma tendência a se alinharem com o campo magnético aplicado ao material, Figura 1 [I]. Com o aumento da força magnetizante, o comportamento de alinhamento continua até que todos os momentos magnéticos estejam alinhados com o campo aplicado. A partir deste ponto, o material não tem um crescimento da densidade de fluxo magnético, independentemente do valor de campo magnético aplicado. É esta condição que configura o fenômeno da saturação.

Relembrando, a relação entre o campo magnético e a densidade de fluxo magnético é dada pela curva de histerese, apresentada na Figura 2[VII].

Figura 1 - Representação dos momentos dipolos magnéticos de um TC.
Figura 2 - Relação B-H típica.

Dada pela lei de Faraday, a tensão no secundário de um transformador surge em decorrência de variação de fluxo magnético no interior do núcleo do TC. A partir do momento no qual todos os momentos dipolos magnéticos estão alinhados, não é possível haver a variação do fluxo magnético e, com isso, não existirá tensão induzida no secundário do TC. Na ausência de tensão, não há circulação de corrente no secundário do TC, de modo que a corrente medida pelo IED, naquele momento, será nula, enquanto, de fato, há presença de corrente primária. Nestas condições, dependendo do caso, as funções de proteções ativadas no IED podem apresentar recusa de atuação, como é o caso da função 50, ou mesmo atuar indevidamente, fenômeno que pode ocorrer com a proteção diferencial (87), por exemplo.

A Figura 3 [V] mostra o valor da corrente no primário (linha grossa em azul) e no secundário (linha grossa em preto) durante um curto-circuito de elevada assimetria, a qual depende do ângulo de incidência da falta e da relação X/R do circuito. É perceptível que, a partir do ponto de saturação (seta vermelha), a corrente secundária disponibilizada pelo TC tende a um valor abaixo do esperado, podendo, em alguns casos, até a anular-se. Após um determinado tempo há a redução da componente DC e o TC consegue entregar a corrente exata no seu secundário (seta em verde). Este comportamento ocorre porque esta saturação é dita assimétrica, ou seja, a saturação ocorre devido à componente DC da corrente de curto-circuito a qual decai ao longo do tempo. Caso o TC sature para faltas simétricas não haveria redução da saturação e ela permaneceria até a extinção da falta.

Figura 3 - Corrente de curto-circuito no primário (curva em azul) e no secundário (curva em preto) de um TC.
DIRETRIZES DE ESTUDOS

O estudo de saturação de um transformador de corrente pode seguir duas vertentes: verificar se um TC existente na subestação está adequado ou apoiar a especificação de TC a ser utilizado em um novo empreendimento.

A verificação da adequabilidade de um TC existente pode ser feita seguindo uma das seguintes premissas:

  • O TC não saturar até a proteção atuar. Ou seja, para o exemplo da Figura 3, a proteção deveria atuar antes do tempo marcado pela seta em vermelho (time-to-saturation), tanto para o primeiro ciclo de trabalho, quanto para o ciclo de religamento (caso exista);
  • O IED, mesmo com a saturação, consiga obter um valor RMS de corrente através da leitura da corrente secundária (linha preta fina na Figura 3) suficiente para gerar atuação da proteção;

Além destas avaliações, é importante avaliar o comportamento da função diferencial, caso exista, frente a curtos-circuitos remotos, com o intuito de evitar atuação indevida.

Estas avaliações podem ser realizadas através de cálculos baseados nas normas vigentes e em documentos adotados pelo ONS, ou através da modelagem computacional do sistema.

Para a especificação de TCs novos é preciso garantir que os mesmos não saturem até a proteção atuar durante o primeiro ciclo e durante o ciclo de religamento, caso exista. Além disso, deve ser analisada a resposta do TC para curtos-circuitos externos, com o intuito de não haver atuação indevida da função 87. Para isso, é preciso escolher corretamente a classificação do TC.

A norma IEC 61869-2 apresenta, inclusive, a classificação de TCs de classe transitória (TPX, TPY e TPZ), exigidas pelo ONS para níveis de tensão iguais ou superiores a 242 kV, segundo o submódulo 2.3 [VI].

REFERÊNCIAS

I. HARGRAVE, A. et al. Beyond the Knee Point: A practical Guide to CT Saturation. SEL, 2018;

II. ABNT NBR 6856. Transformador de Corrente – Especificação e Ensaios.

III. IEC 61869-2. Instrument Transformers – Part 2: Additional Requirements for Current Transformers.

IV. IEC TR 61869-100. Instrument Transformers – Part 100: Guidance for Application of Current Transformers in Power System Protection.

V. IEEE Std C37.110-2007 IEEE Guide for the Application of Current Transformers Used for Protective Relaying Purposes;

VI. Requisitos mínimos para subestações e seus equipamentos - Procedimento de Rede do ONS (Submódulo 2.3);

VII. SADIKU, M. N. O.. Elementos de Eletromagnetismo. 3. Ed. Porto Alegre: Bookman, 2004;

VIII. Critérios Para Análise de Superação de Equipamentos e Instalações de Alta Tensão – Rv. 1 – NT NOS n° 0048/2014.